Por André Barcinski
O calendário de Henry Morton Stanley apontava o dia 10 de
novembro de 1871. Naquela manhã, Stanley e sua expedição, carregando uma
bandeira norte-americana, chegaram a Ujiji, uma vila com cerca de mil habitantes
no leste da África, hoje território da Tanzânia.
Além do próprio Stanley, só havia um homem branco em Ujiji.
Ele tinha 58 anos, mas aparentava 80. Era magérrimo, desdentado, com longos
cabelos brancos e roupas quase em farrapos. Stanley se aproximou, estendendo a
mão…
– Doutor Livingstone, eu presumo?
– Sim – respondeu
Livingstone.
– Eu agradeço a Deus, doutor, o fato de ter tido permissão
para vê-lo.
– Eu me sinto
grato por estar aqui para recebê-lo.
Assim acabava a maior aventura africana. Durante 236 dias,
Stanley havia percorrido 1560 quilômetros a pé pelas florestas da África,
enfrentando leões, cobras, canibais e doenças. Tudo para achar David
Livingstone, o grande explorador escocês, desaparecido do Ocidente há quase
seis anos e que muitos davam por morto.
O encontro de Livingstone e Stanley está completando 145
anos. Ou melhor, já completou: estudos indicaram que a data exata do encontro
foi 27 de outubro de 1871. A confusão aconteceu porque Stanley passou vários
dias desacordado devido às várias doenças que contraiu na expedição, como
disenteria, malária e até a quase sempre fatal doença do sono, e isso acabou
por confundir seu calendário.
Um dos melhores relatos sobre a expedição de Stanley em
busca de Livingstone é o livro “No Coração
da África”, de Martin Dugard. Para quem gosta
de histórias de aventuras e exploração, é difícil achar um livro mais
empolgante.
Para começar, os dois personagens principais são fora de
série: David Livingstone (1813-1873) era considerado o maior explorador da
África e um grande herói britânico. Foi um missionário humanista que lutou
contra o tráfico de escravos e sumiu de circulação em janeiro de 1866, quando
se embrenhou em regiões inexploradas da África para tentar solucionar um
mistério que causava polêmica entre geógrafos e exploradores: onde ficava a
nascente do rio Nilo?
Já Henry Morton Stanley (1841-1904) teve uma vida triste e
dramática: filho de uma prostituta, nasceu no País de Gales – seu nome
verdadeiro era John Rowlands – e aos cinco anos foi mandado para um desses
orfanatos saídos diretamente de um livro de Charles Dickens, onde foi castigado
e abusado sexualmente por mais de uma década. Aos 15, saiu do orfanato,
perambulou pela Inglaterra, embarcou num navio e, dois anos depois, acabou nos
Estados Unidos, onde lutou na Guerra de Secessão – primeiro pelos Confederados
e, depois de passar um tempo na cadeia, pela União – virou repórter, foi preso
por dois anos numa masmorra na Turquia e acabou trabalhando como correspondente
internacional do jornal “The New York Herald”, cobrindo conflitos na Etiópia, Espanha e China.
Mas o grande furo de reportagem da carreira de Stanley foi
mesmo a descoberta de Livingstone. Embora houvesse relatos sobre um homem
branco que comandava uma pequena expedição no coração da África, muitos
acreditavam que Livingstone estivesse morto. Stanley achava que não, e
convenceu o “The New York Herald” a bancar uma expedição para encontrá-lo.
O livro de Martin Dugard conta, em paralelo, as duas
expedições – a de Livingstone em busca da nascente do Nilo, e a de Stanley em
busca de Livingstone. As histórias envolvem ataques de canibais, leões
famintos, aranhas venenosas e guerras entre tribos africanas.
Numa das passagens mais impressionantes, a expedição de
Stanley explora uma região alagada pelas chuvas. Os homens caminham por dezenas
de quilômetros com água na altura do peito, sendo atacados por cobras e
sanguessugas, e alguns se afogam ao cair em pegadas de elefantes.
A notícia da descoberta de Livingstone correu o mundo e
causou revolta na Inglaterra, onde muitos não aceitaram a humilhação de ter um
de seus filhos mais ilustres resgatado pelo repórter de um jornal
norte-americano. Para tristeza ainda maior dos ingleses, Livingstone nunca
retornou à Grã-Bretanha: morreu em 1873, de disenteria e malária, numa região
que hoje pertence à Zâmbia. Seu coração foi retirado pelos fiéis assistentes,
Susi e Chuma, e enterrado aos pés de um imenso baobá.
Fonte: UOL, Blog do Barcinski, em 4/11/2016.
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