sexta-feira, 16 de julho de 2021

Ronaldo Correia de Brito encerra primeira edição do Projeto Palavras

Convidado do Projeto Palavras, escritor, diretor e médico cearense Ronaldo Correia de Brito reflete sobre literatura e os cenários de pandemia e da cultura no Brasil

Por Miguel Araújo, jornalista de O Povo

Pensamentos para além da literatura: com essas possibilidades, a primeira edição do Projeto Palavras se encerra neste fim de semana com as participações da cantora, atriz e escritora Bia Bedran e do dramaturgo, diretor de cinema, médico e escritor cearense Ronaldo Correia de Brito. As canções e histórias do universo infantil apresentadas por Bia Bedran ocorrerão hoje, dia 15, enquanto que os pensamentos de Ronaldo sobre sua obra e o que envolve a pandemia no Brasil serão contemplados nesta sexta-feira, 16/7/21.

A conversa desta sexta-feira será mediada pelo secretário de Cultura do Ceará Fabiano Piúba e englobará tanto discussões sobre a obra de Ronaldo Correia quanto reflexões sobre o atual contexto literário nacional, em um momento de “desprestígio da literatura”, segundo o autor. O encontro também busca contribuir para a “defesa do livro e da leitura”.

Natural do município cearense de Saboeiro, Ronaldo Correia de Brito se radicou no Recife. Sua obra literária carrega traços da cultura popular nordestina, identidades, experiências pessoais e deslocamentos. Suas produções na literatura já percorreram contos, crônicas, livros infantojuvenis e romances como “Galileia” (vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura" e “Dora sem Véu”.

Recentemente, lançou a coletânea “A Arte de Torrar Café: narrativas além da ficção”, com 55 textos que trazem temas como lembranças da infância no sertão, memórias de entes queridos falecidos nos últimos anos e passagens por lugares como Florença, Buenos Aires, Paris e Juazeiro do Norte.

Finalizado em dezembro de 2019, o livro tinha previsão de lançamento para o começo de 2020, mas, devido à pandemia, só foi disponibilizado em fevereiro deste ano. Apesar de trazer textos escritos antes do período pandêmico, o trabalho, para Ronaldo, consegue ser bastante atual: “É incrível como o prefácio e os textos são atuais, como eles se referem ao que nós estamos vivendo. Isso me deixou muito feliz, porque me convenceu de que o meu texto não é datado. Ele é para ser lido em qualquer tempo”.

Entre tantos momentos marcantes registrados na coletânea que traz passagens por diferentes locais, culturas e tempos, ele cita a ocasião em que, ao visitar um café em um bairro de Paris “habitado por árabes e africanos”, teve a sensação de que estava “entrando em um lugar do Brasil”. “Isso me dá uma consciência muito intensa de como nós somos capazes de deslocar nossas identidades pelo planeta, a identidade que nos forma e a identidade do lugar que nos forma”, lembra.

As passagens temporais são marcas da escrita do cearense. “Eu reflito sobre o passado, comparo ao presente e intercorro sobre o futuro”, comenta. Nas “narrativas além da ficção” trazidas pelo autor em seu livro, uma consegue fazer ponte com um evento recente: a torcida pela - ou contra - a seleção brasileira de futebol.

Como lembrado por Ronaldo, ele chegou a torcer contra a seleção brasileira na Copa do Mundo de 1970, realizada quando o País enfrentava a ditadura militar. O texto reflete sobre o sentimento de um (suposto) nacionalismo provocado pelo futebol em meio a uma realidade difícil para os brasileiros.

Com a realização da Copa América em solo nacional em plena pandemia, também foi possível perceber um movimento de torcida contra a seleção especialmente na final do torneio. “Torcer pela Argentina significou torcer contra o atual governo, que tentou trazer essa copa para o Brasil como mais um ópio em meio ao seu fracasso administrativo e governamental”, aponta Ronaldo.

“Um desastre total”, avalia Ronaldo Correia de Brito sobre a condução do enfrentamento à pandemia pelo governo federal. A realidade brasileira, aliás, parece mais uma ficção para ele, tamanhos são os “absurdos” vistos no País e investigados pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid. Diante de tantos acontecimentos, o lugar dos escritores ficcionistas acaba sendo outro:

“O Brasil é uma ficção tão delirante que sobra pouco espaço para a ficção dos ficcionistas. É tão absurdo tudo o que acontece aqui que, se não tomarmos cuidado, a nossa literatura vai acabar ficando a serviço de discursos políticos”. Para ele, esses discursos, “tanto os de direita como os de esquerda”, são perigosos para a literatura, pois “podem transformá-la em um panfleto”. “A representação da realidade em arte não é a mesma coisa que jornalismo”, acrescenta.

A escrita e a produção se intensificaram para o autor neste período e se tornaram alternativas para melhor enfrentar esse cenário, trazendo olhares de alguém “afetado pelo isolamento” em suas criações. Na visão do escritor, a “ruptura” com pessoas de sua convivência, como brincantes populares, foi o que mais o impactou. Mesmo assim, lembra que foi possível realizar algumas produções, como no ano passado o filme do “Baile Menino Deus”, espetáculo criado e dirigido por ele.

Falar sobre a pandemia acaba sendo inevitável, pois ela atinge vários aspectos sociais, econômicos e também culturais. “A pandemia, sem dúvidas, nos colocou em um tempo fora do tempo, em uma bolha temporal que nos permitiu enxergar com mais clareza as realidades do País”, comenta Ronaldo.

Quanto à condução do setor da Cultura pelo governo federal, Ronaldo considera que ela tem sido feita por pessoas “completamente alheias e alienadas” ao segmento, e analisa que as ações tomadas têm “castigado” a área. “São pessoas que foram colocadas como paralisantes da Cultura”, define.

A conversa que encerrará a programação do Projeto Palavras também abordará planos do escritor em tempos de pandemia.

Projeto Palavras

Bia Bedran

Quando: nesta quinta-feira, 15, às 19 horas

Ronaldo Correia

Quando: nesta sexta-feira, 16, às 17 horas

Onde: @palavras.projeto no Instagram e Bece no YouTube

Fonte: O Povo, de 15/7/21. Vida & Arte. p.3.


Nenhum comentário:

 

Free Blog Counter
Poker Blog