quarta-feira, 21 de julho de 2021

O TEMPO TRÁGICO DA PANDEMIA

Por Cláudia Leitão (*)

“És um senhor tão bonito... compositor de destinos... E quando eu tiver saído para fora do teu círculo, tempo, tempo, tempo, tempo, não serei nem terás sido..." Na sua Oração ao Tempo, Caetano Veloso profetiza a essência dos tempos em que vivemos.

Eles simbolizam a fadiga de uma razão linear e evolucionista da vida social. Enquanto tempo trágico, inverso ao tempo comum, a pandemia demonstra que é uma ilusão acreditar que caminhamos em direção ao futuro.

Pelo contrário, voltamos sempre ao ponto de partida. Impossível lutar contra o tempo trágico. Somos espectadores impotentes diante do desfile de imagens de um filme invertido. Quando chegamos ao começo, ou quando o começo chega até nós, somos nós que acabamos.

A dramaturgia do Édipo Rei, que revela a tragédia da condição humana. A história começa com um sacerdote de Tebas que vem implorar pela ajuda do rei Édipo, pois a cidade está assolada pela peste.

Édipo foi condenado à morte quando ainda era recém-nascido. Laio, rei de Tebas e seu pai, ouviu do oráculo de Delfos que o filho o mataria e desposaria sua mãe, Jocasta.

Diante da revelação, o rei decide mandar matar o filho. Um pastor é convocado para a tarefa, mas apieda-se e o leva para casa, oferecendo-o posteriormente a Políbio, rei de Corinto, para adoção.

O desenrolar da peça conduz Édipo a realizar a profecia do oráculo. Ao levantar das cortinas, o drama já está consumado.

Todos os personagens parecem livres para agir, mas, na verdade, somente vivem ilusões de futuro. No início, sabe-se o fim, e no final, compreende-se o início.

A essência da tragédia de Sófocles está no entrecruzamento e tensionamento do tempo real com o tempo trágico. A alegoria de uma cidade adoecida é o pano de fundo da tragédia.

A peste é o início e o fim de uma narrativa, processo e produto dos desvarios humanos. "Salva Tebas hoje para todo o sempre! Se tens de ser o governante dessa terra, que é tua, é preferível ser senhor de homens que de um deserto," diz o sacerdote ao rei Édipo.

Impossível não pensarmos sobre a atualidade do texto de Sófocles... 

(*) Professora da Uece. Diretora do Observatório de Governança Municipal do Iplanfor.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 14/6/21. Opinião, p.22.

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