terça-feira, 11 de julho de 2023

CEM ANOS SEM O "POETA LOUCO"

Por Lucas Júnior (*)

Colombo era uma prestigiada confeitaria de Fortaleza, marcada pela rigidez na fiscalização, com segurança, mas que possuía um lado social raro para a época: distribuía os produtos não consumidos à noite, quando fechava. Os beneficiados eram os pedintes e os guardas noturnos, que não pegavam a fila. Certa vez adentrou na loja um jovem de rara presença. Usava um terno de veludo marrom, chapéu de abas largas, mesmo com um furo, e luvas. Um exemplo da moda londrina. Uma beleza e elegância contrastada com uma barba enorme, crespa e cabeleira. Procurou saber a despesa das empadas e foi informado que naquela hora o expediente estava encarrado, não se cobrava. Comeu mais uma dúzia, lavou a boca, enxugando-se com a toalha suja do dia, agradeceu e partiu.

José de Abreu Albano era neto do Barão de Aratanha, mas se distanciava dos familiares. Sua adolescência, após o Seminário da Prainha, foi marcada por estudos em escolas jesuítas, cristãs, na Europa, amando a literatura e aprimorando idiomas, o que lhe valeu emprego no Rio, capital, inclusive no Ministério das Relações Exteriores, após desistir do curso de Direito. Mas José Albano gostava mesmo era de poesia. E as palavras, em prosas e versos, justificava a sua impaciência, de viver como cigano, engajando-se na austeridade do lirismo. Graça Aranha o chamava de "Poeta Louco"; Olavo Bilac de "guarda civil da língua portuguesa", e Manoel Bandeira o enquadrava entre os nossos dez maiores poetas. De admirável técnica inspirada no renascentismo italiano, era, porém, pessimista: "Faço versos para ninguém porque nem a mim agradam".

Casou com a filha do prefeito Guilherme Rocha, conquistando-a poeticamente, como escreveu no leque de Gabriela: "Quando a palavra foge da mulher ou quando a mulher esquece a palavra toda a alma está na pupila que brilha, todo o coração no lábio que suspira". Volta para Londres com a família, onde abandonou emprego para percorrer a Europa. Paris era a sua idolatria. Ali viveu de livros e de escrita. Em 11 julho de 1923, sozinho num hospital de Montauban, França, imerso no mundo dos seus sonhos, partia o poeta José Albano. Cadeira n° 19 da ACL, lá se encontra a sua foto, como se tivesse saído naquela noite da confeitaria da cidade que o saúda no centenário da sua morte. 

(*) Pesquisador e memorialista.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 20/07/23. Opinião, p.20.


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