quarta-feira, 20 de julho de 2022

DEUS É UM LUXO

Por Pe. Eugênio Pacelli SJ (*)

Fé é acreditar que uma coisa é verdade e agir de acordo com essa crença. A Bíblia diz que fé é a certeza daquilo que esperamos e a prova das coisas que não vemos (Hebreus 11:1). Portanto, todo mundo tem fé em alguma coisa, mesmo negando que a tem. Neste sentido, o Papa Bento afirmava: em cada crente há sempre um ateu adormecido, como em cada ateu há sempre um crente adormecido.

Durante muito tempo, o Ocidente viveu numa sociedade crente. A fé era evidência social, de modo que não ter fé tornava a pessoa excluída, estigmatizada e até perseguida. Havia, certamente, as consequências da imposição da fé, contudo era mais fácil e cômodo seguir o rebanho dos crentes e praticar a fé coletivamente.

Atualmente, existe a liberdade religiosa, graças a Deus. A fé e a religião estão constantemente submetidas às críticas por parte da ciência e opinião pública. Há pesquisas que apontam a queda vertiginosa da religiosidade. As pessoas são autônomas, o individualismo é super valorizado, assim como a vida terrena, em detrimento da vida eterna.

A fé está frequentemente confrontada com dúvidas. Isso é bom. Uma fé que não se questiona não é uma fé madura. Questões como: existe vida eterna? A ciência precisa do espírito para entender o homem? Onde está Deus em um mundo tão ferido e injusto? Por que o mal existe se Deus permite tudo? Por que Deus não intervém no sofrimento? São feitas com frequência para mim. No sofrimento e na dor todos se perguntam pelo seu Criador. A eterna dúvida ou o abismo perante o silêncio de Deus é um desafio enorme para os crentes, que veem que outros parecem viver de modo estupendo sem necessidade de referir-se a nenhuma religião ou divindade.

Deus conhece o sofrimento. Ele se compadece porque viveu na pele as maiores dores. Ele é solidário aos nossos sofrimentos e angústias. O livre arbítrio é uma realidade, também. Assumimos as consequências de tudo o que fazemos e Deus, mesmo não concordando com nossas escolhas e decisões, respeita, ampara, acolhe.

Ter fé é deparar-se constantemente com essas questões. Temos que aprender a manter a fé um pouco contra a corrente. A situação não é fácil. É necessário aproveitar as vantagens para ser tocado pela fé, muitas vezes infantilizada, acomodada, estática, em uma igreja com fortes dogmas e que corre o risco de transformar-se em um museu, totalmente obsoleto.

Deus não é necessidade, mas um luxo, segundo o teólogo Edward Schillebeeckx.

(*) Sacerdote jesuíta e mestre em Teologia. Diretor do Seminário Apostólico de Baturité.

Fonte: O Povo, de 2/07/2022. Opinião. p.18.

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