Por Lara Vieira, texto Fabio Lima, foto
O POVO - O senhor morou um tempo no Rio de Janeiro, quando ingressou
na militância do Movimento Brasileiro de Reforma Psiquiátrica e também de Reforma
Sanitária. Como foi isso?
Jackson Sampaio - Eu já estava formado há quase 10 anos quando eu percebi que não queria
mais continuar apenas no serviço hospitalar. Era o momento de voltar ao que mais
gostava: estudar.
Minha esposa e eu pegamos nossos três filhos e decidimos: "Vamos
para o Rio de Janeiro fazer mestrado!" Na Universidade Estadual do Rio de Janeiro
(Uerj), participei do Movimento Brasileiro de Reforma Sanitária e também fui convidado
a presidir a Sociedade Brasileira de Neurologia e Psiquiatria.
Atuei pelo Instituto de Medicina Social da Uerj e no Hospital Psiquiátrico
Pedro II, onde fui diretor de uma unidade e integrei o hospital a um projeto da
Organização Pan-Americana de Saúde, focado em testar modelos de reforma psiquiátrica.
Então, eu fui para a 8ª Conferência Nacional de Saúde como delegado, onde trabalhamos
na modelagem do Sistema Único de Saúde. Depois, seguimos para a luta para incluir
o SUS na Constituição de 1988.
No entanto, a Constituição não estabeleceu o SUS diretamente como lei
autoaplicável; era necessário criar uma lei orgânica para regulamentá-lo. A batalha
para aprovar essa lei foi intensa, e ela acabou sendo aprovada em 1990. No entanto,
quando a lei foi sancionada, o então presidente Fernando Collor de Mello impôs uma
série de vetos, principalmente nos mecanismos de controle social e participação
popular.
Quando Collor foi afastado, Itamar Franco assumiu a presidência e, por
meio de negociações, grande parte dos vetos de Collor foi revertida. A Lei Orgânica
da Saúde foi aprovada em dezembro de 1990, mas como o orçamento da União para 1991
já havia sido aprovado sem a inclusão do SUS, não foi possível implementá-lo imediatamente.
Começou, então, uma nova luta para incluir o SUS no orçamento da União, o que só
foi conquistado em 1992.
"A universidade é um lugar de produção de conhecimento, amadurecimento
intelectual e cidadania plena, que, por acaso, também pode proporcionar entrar no
mercado de trabalho".
O POVO - O SUS que o senhor sonhava naquela época corresponde ao que
temos hoje?
Jackson Sampaio - O SUS que temos hoje é um grande avanço, mas ainda distante do que
sonhávamos na 8ª Conferência Nacional de Saúde. Naquele momento, queríamos revolucionar
o modelo vigente e inverter a lógica existente, colocando a atenção primária como
ponto de partida e não como algo secundário ou marginal. A ideia era que a atenção
primária fosse capaz de resolver pelo menos 70% dos problemas de saúde da população,
enquanto os demais 30% seriam encaminhados para a atenção secundária [ambulatórios
especializados] ou terciária [hospitais].
No entanto, no meio do caminho, o avanço do neoliberalismo se manifesta
na terceirização e precarização dos contratos de trabalho. O poder público passou
a contratar cooperativas médicas, empresas terceirizadas e profissionais como pessoa
jurídica (PJ), com contratos temporários de seis meses a um ano. Esse modelo compromete
a qualidade da assistência e fragiliza os trabalhadores do setor.
Além disso, um dos desafios que enfrentamos é a judicialização da saúde.
Muitas pessoas, especialmente das classes médias urbanas, começaram a contratar
advogados para garantir na Justiça o acesso a medicamentos caros, muitas vezes recém-lançados
e com eficácia questionável. O problema é que, em cidades pequenas, um único tratamento
judicializado pode consumir grande parte do orçamento da saúde pública. Ainda assim,
hoje o SUS é fundamental para o Brasil. Se ele não existisse, o que teria sido de
nós durante a pandemia da Covid-19?
O POVO - E quais os impactos desse modelo atual nos tratamentos da saúde
mental?
Jackson Sampaio - É extremamente prejudicial. A elaboração de um projeto terapêutico
para um grupo de pacientes pode levar, no mínimo, um ano e meio. Mas como liderar
um projeto terapêutico com profissionais com contratos de trabalho de apenas um
ano, sem garantia de renovação, comprometendo a continuidade do tratamento?
Desde 1985, com mais de 40 ministros da saúde, a descontinuidade das
políticas públicas tem sido um grande desafio. O SUS foi projetado de forma progressiva,
mas na prática, a implantação foi desorganizada. Em Fortaleza, por exemplo, a cidade,
com 2,5 milhões de habitantes, deveria ter 25 Caps, mas conta com apenas 16, sobrecarregando
as equipes e com estruturas inadequadas.
Em grandes metrópoles como Fortaleza, o SUS enfrenta sérias dificuldades,
enquanto em cidades médias o sistema até funciona melhor. Além disso, a realidade
demográfica exige soluções regionais diferenciadas, como no Amazonas, onde o acesso
ao SUS é muito mais difícil.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 24/03/25. Páginas Azuis. p.4-5.
Nenhum comentário:
Postar um comentário