sábado, 5 de abril de 2025

JACKSON SAMPAIO: o professor e médico que transita entre a ciência e a sensibilidade II

Por Lara Vieira, texto Fabio Lima, foto

O POVO - O senhor morou um tempo no Rio de Janeiro, quando ingressou na militância do Movimento Brasileiro de Reforma Psiquiátrica e também de Reforma Sanitária. Como foi isso?

Jackson Sampaio - Eu já estava formado há quase 10 anos quando eu percebi que não queria mais continuar apenas no serviço hospitalar. Era o momento de voltar ao que mais gostava: estudar.

Minha esposa e eu pegamos nossos três filhos e decidimos: "Vamos para o Rio de Janeiro fazer mestrado!" Na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), participei do Movimento Brasileiro de Reforma Sanitária e também fui convidado a presidir a Sociedade Brasileira de Neurologia e Psiquiatria.

Atuei pelo Instituto de Medicina Social da Uerj e no Hospital Psiquiátrico Pedro II, onde fui diretor de uma unidade e integrei o hospital a um projeto da Organização Pan-Americana de Saúde, focado em testar modelos de reforma psiquiátrica. Então, eu fui para a 8ª Conferência Nacional de Saúde como delegado, onde trabalhamos na modelagem do Sistema Único de Saúde. Depois, seguimos para a luta para incluir o SUS na Constituição de 1988.

No entanto, a Constituição não estabeleceu o SUS diretamente como lei autoaplicável; era necessário criar uma lei orgânica para regulamentá-lo. A batalha para aprovar essa lei foi intensa, e ela acabou sendo aprovada em 1990. No entanto, quando a lei foi sancionada, o então presidente Fernando Collor de Mello impôs uma série de vetos, principalmente nos mecanismos de controle social e participação popular.

Quando Collor foi afastado, Itamar Franco assumiu a presidência e, por meio de negociações, grande parte dos vetos de Collor foi revertida. A Lei Orgânica da Saúde foi aprovada em dezembro de 1990, mas como o orçamento da União para 1991 já havia sido aprovado sem a inclusão do SUS, não foi possível implementá-lo imediatamente. Começou, então, uma nova luta para incluir o SUS no orçamento da União, o que só foi conquistado em 1992.

"A universidade é um lugar de produção de conhecimento, amadurecimento intelectual e cidadania plena, que, por acaso, também pode proporcionar entrar no mercado de trabalho".

O POVO - O SUS que o senhor sonhava naquela época corresponde ao que temos hoje?

Jackson Sampaio - O SUS que temos hoje é um grande avanço, mas ainda distante do que sonhávamos na 8ª Conferência Nacional de Saúde. Naquele momento, queríamos revolucionar o modelo vigente e inverter a lógica existente, colocando a atenção primária como ponto de partida e não como algo secundário ou marginal. A ideia era que a atenção primária fosse capaz de resolver pelo menos 70% dos problemas de saúde da população, enquanto os demais 30% seriam encaminhados para a atenção secundária [ambulatórios especializados] ou terciária [hospitais].

No entanto, no meio do caminho, o avanço do neoliberalismo se manifesta na terceirização e precarização dos contratos de trabalho. O poder público passou a contratar cooperativas médicas, empresas terceirizadas e profissionais como pessoa jurídica (PJ), com contratos temporários de seis meses a um ano. Esse modelo compromete a qualidade da assistência e fragiliza os trabalhadores do setor.

Além disso, um dos desafios que enfrentamos é a judicialização da saúde. Muitas pessoas, especialmente das classes médias urbanas, começaram a contratar advogados para garantir na Justiça o acesso a medicamentos caros, muitas vezes recém-lançados e com eficácia questionável. O problema é que, em cidades pequenas, um único tratamento judicializado pode consumir grande parte do orçamento da saúde pública. Ainda assim, hoje o SUS é fundamental para o Brasil. Se ele não existisse, o que teria sido de nós durante a pandemia da Covid-19?

O POVO - E quais os impactos desse modelo atual nos tratamentos da saúde mental?

Jackson Sampaio - É extremamente prejudicial. A elaboração de um projeto terapêutico para um grupo de pacientes pode levar, no mínimo, um ano e meio. Mas como liderar um projeto terapêutico com profissionais com contratos de trabalho de apenas um ano, sem garantia de renovação, comprometendo a continuidade do tratamento?

Desde 1985, com mais de 40 ministros da saúde, a descontinuidade das políticas públicas tem sido um grande desafio. O SUS foi projetado de forma progressiva, mas na prática, a implantação foi desorganizada. Em Fortaleza, por exemplo, a cidade, com 2,5 milhões de habitantes, deveria ter 25 Caps, mas conta com apenas 16, sobrecarregando as equipes e com estruturas inadequadas.

Em grandes metrópoles como Fortaleza, o SUS enfrenta sérias dificuldades, enquanto em cidades médias o sistema até funciona melhor. Além disso, a realidade demográfica exige soluções regionais diferenciadas, como no Amazonas, onde o acesso ao SUS é muito mais difícil.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 24/03/25. Páginas Azuis. p.4-5.


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