Por Lara Vieira, texto Fabio Lima, foto
O POVO - A respeito de seu período como gestor na Uece, há algum projeto
que o senhor considere um "filho favorito"?
Jackson Sampaio - Eu sempre tive a consciência de que boa parte do que realizei foi
dar continuidade a projetos iniciados por outros. A produção no serviço público
é contínua. Claro, tenho projetos que considero especiais, como o Mestrado em Saúde
Pública. Ele foi o quarto mestrado da Uece e, com um ano de criado, foi o primeiro
a ser recomendado pela Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior].
Como Pró-Reitor, também iniciamos uma política de formação de professores
e decidimos criar um doutorado em Saúde Pública. Para isso, fizemos uma parceria
com o Unifor e a UFC, que também tinham mestrados na área. Como nenhum dos três
mestrados alcançava a nota 4 individualmente, optamos por uma colaboração para viabilizar
o doutorado de forma mais rápida.
O doutorado tinha dois objetivos principais: antecipar em pelo menos
oito anos a formação de doutores em Saúde Coletiva no Ceará e fortalecer os mestrados
para que cada instituição pudesse, no futuro, criar seu próprio programa. E a estratégia
foi bem-sucedida, acelerando a formação de doutores e permitindo que as três universidades
desenvolvessem seus próprios doutorados.
O POVO - Durante a pandemia de Covid-19, o senhor enfrentou uma experiência
pessoal grave com a doença. Como foi isso?
Jackson Sampaio - Em 2020, eu estava na gestão da universidade e iria terminar meu
mandato em 22 de maio. O governo do Ceará emitiu um decreto com o isolamento social
e a adoção do trabalho remoto em 16 de março. Eu precisei suspender o processo eleitoral
que já estava em andamento.
No dia 22 de abril, fui internado. O tempo de UTI foi de 30 dias, dos
quais 20 dias intubado. Após mais uma semana sem intubação na UTI, fui transferido
para um leito hospitalar, onde permaneci por três semanas. Ao todo, fiquei 76 dias
alimentado por sonda nasal enteral, o que "aposentou" meu estômago nesses
dias. A intubação também afetou a traqueoplastia, porque eu respirava artificialmente.
O capacete Elmo ainda não havia sido criado. Afinal, fui um paciente
da “primeira leva” da Covid. Quando voltei para casa, precisei de dois meses e meio
de atendimento domiciliar. Foi quando iniciei a batalha para ganhar peso, algo sempre
difícil para mim, especialmente com a idade e as condições impostas pela pandemia.
Até hoje, consegui recuperar 19 dos 25 quilos perdidos.
Após a internação, pedi meu prontuário médico, que tinha mais de 2.800
páginas. Nele, vi que tomei mais de 20 remédios diferentes, incluindo três psiquiátricos,
pois os sensores indicavam que eu estava alucinando ou delirando. Fiquei irritado
por terem me dado esses medicamentos, pois eu queria ter alucinado de maneira mais
livre.
O POVO - Em algum momento do pós-doença o senhor ressignificou o que
passou?
Jackson Sampaio - Durante o atendimento domiciliar, vi uma psicóloga algumas vezes e
comecei a falar sobre as alucinações, anotando tudo. Sem perceber, estava criando
um estudo de caso sobre mim mesmo e decidi escrevê-lo como um estudo científico.
Esse já foi um processo de ressignificação. Pensei: "A Covid vai
me dar, pelo menos, um ponto no currículo." Hoje eu fico muito feliz com ele.
Recentemente, reli e fiquei emocionado, porque fui eu quem viveu essa
história. Eu estou o tempo todo ressignificando essa história também na poesia.
Mas eu disse a mim mesmo que não queria que minha poesia fosse um canto fúnebre.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 24/03/25. Páginas Azuis. p.4-5.
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