"Inteligência Artificial?!?
Quero ver ela 'disgotar' uma fossa...
...
no Quintino Cunha, sem a assistência natural do diligente Zé Bode!!!" -
retrucou Menino Manel, até então calado em meio ao converseiro da gente toda no
terreiro de dona Joia, no Cauípe. Era ele, convicto, contrapondo-se à novidade
que tá virando a cabeça do mundo. O aparte, um misto de descrença e afobação
com a tal novidade. E complementou, tratando ainda desse "conjunto de
tecnologias", ao corroborar assertiva do poeta Jair Moraes.
-
Tecnologia de ponta é a besteira mais atrasada da Humanidade, senão for coisa
de chifre!
Menino
Manel justificou, questionando:
-
Despesca um galão, essa fulerage? Capa um bacurim? Faz cafuné? Tira bicho de
pé?
-
Mas entenda, Manel, ela disponibiliza meios de você... - contra-argumenta
Cabeção.
-
AI dêntu!!!
Sobre Zé Bode
A
figura a que se referiu Menino Manel - prestimoso 'disgotador' de fossa séptica
do bairro que leva o nome do maior humorista do Ceará é deveras única. Por 50
reais, um celular de cana e um litro de querosene, podia soltar ele no quintal
de casa que "da mêi dia pra tarde a impeleita da limpação tá findilizada,
com a graça de Deus!"
Zé
Bode nunca teve um documento de identificação pessoal, tampouco sabia dizer de
onde veio, nomes dos pais, idade. Simplesmente se achegou na propriedade de
dona Joia, sendo por ela criado qual um filho. Simpático e leal, trabalhador
incansável ("servidor que era um jumento"), esmerado em tudo que
fazia, Zé comentava sobre seu tempo de vida com a ingenuidade de quem nunca
ocupou um banco de escola:
-
Rigula uns 234 anos.
Por que Menino Manel?
Porque
era oitavado, e ninguém sabia. Quando tinha 8 anos, uma bondosa vizinha,
período natalino, inventou de presentear a ele e à meninada do bairro com
bermudas e camisas. Chamou à sua casa uns 40 bruguelos, pedindo de início que
experimentassem as roupas: dando no corpo, levavam o "mimo do Papai
Noel". A certa altura, 20 crianças na sala, a senhora fala que podem se
despir das velhas e vestir as peças novas.
-
Tem problema não, se se trocarem aqui na sala. Podem ficar nus, são todos bebês
ainda.
Mas
o susto foi grande demais nessa hora, de chamar a atenção até de quem passava
no meio da rua. No que Manel ficou pelado, nasceu o codinome "Menino
Manel". É que os "trambelhos" do petiz eram algo assustador,
animal. A mulher caridosa apressou-se em reparar a situação vexatória. Pedindo
aos demais que permanecessem na sala...
-
Menino Manel! Vá experimentar sua roupa no banheiro! Já tem pinta de homem!
Dessas coincidências que parecem
Fulerage Divina
O
professor de História saiu da clínica cardiológica com o aparelho de pressão do
exame MAPA no braço, em busca de casa, ali próxima. Mal dobrou a esquina e um
ladrão encapuzado o aborda, pedindo celular, carteira, relógio. "Esqueci
tudo na clínica!"
-
Pois passe esse negócio aí no braço?
-
Isso aqui é um MAPA, meu amigo!!!
Aquela
voz rouquenha, o jeito desengonçado na abordagem, a secura por mapa. Professor
desconfiado.
-
Por um acaso esse seu professor se chamava Sebastião?
-
Sim! Ele mesmo!
-
Zé de Goré, macho!!! Por que tu deste pra marginal?!?
Fonte: O POVO, de 26/09/2025. Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.

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