domingo, 16 de maio de 2021

OS RAPAZES DOURADOS E AS GAROTAS COCA-COLA

Em 1942, o Brasil concedeu, temporariamente, seu território para que os Estados Unidos da América instalassem suas bases militares em Fernando de Noronha e ao longo da costa nordestina, de enorme valor estratégico por sua situação geográfica próxima da Europa Ocidental e também do Norte da África.

Praticamente, essas bases formavam verdadeiras pontes aéreas para o transporte de tropas e suprimentos das forças armadas americanas aos teatros de operação europeu e africano. Natal constituía o principal centro de operação norte-americana no Nordeste, mas Fortaleza, por ser uma cidade de maior porte, também era considerada bastante importante, tendo acomodado, de forma regular ou em trânsito, muitos militares enviados pelos EUA.

As cabeças douradas de norte-americanos, mercê dos fios loiros dos seus cabelos, fizeram as cabeças das nossas moças donzelas, encantadas com a beleza anglo-saxônica dos garbosos efebos e, inclusive, “desencaminharam” algumas dessas garotas de Fortaleza, tomadas por arrebatadora paixão, sonhando serem levadas aos “States”, a tiracolo ou na bagagem, dos pseudo-intrépidos soldados, já que eles estavam a milhares de quilômetros de distância de qualquer “front” e os poucos estampidos, aqui audíveis, eram advindos dos treinamentos e dos exercícios militares.

Para garantir o lazer do oficialato e até um maior entrosamento dos adventícios com os nativos da provinciana capital cearense, foi montado o Cassino Estoril. Por ser um clube destinado aos oficiais norte-americanos, sedentos da companhia feminina, a ele, naturalmente, acorriam graciosas moças da nossa sociedade, pelos mais diversos motivos, dentre os quais, o de desfrutar a convivência de pessoas de tez alva e traços delicados, bem diferentes da moçada cabeça-chata daqui. Além disso, esses rapazes dourados ocupavam uma posição de destaque, o que dava um charme maior à aventura, que poderia, quem sabe, servir para fisgar um marido estrangeiro e, com isso, ir morar na terra do Tio Sam.

Os rapazes locais, conhecidos por sua verve moleque, sentindo-se preteridos por tais raparigas, no sentido lusitano do termo, como correspondente de gênero em oposição a rapazes, apelidaram as ditas cujas de garotas Coca-Cola, em alusão ao arraigado hábito “yankee” de consumir a Coca-Cola, um refrigerante abominado pelos cearenses, à época, cujo sabor era intolerável ao gosto da nossa gente.

Com o fim da guerra, quando a Alemanha, em frangalhos, assinara o armistício incondicional, imposto pelos aliados vitoriosos da II Guerra Mundial, a cidade alencarina retomara à sua normalidade, acabando-se o blecaute e retornando os soldados norte-americanos ao seu país de origem, deixando, no ora veja, muitas jovens cearenses.

Marcelo Gurgel Carlos da Silva

Ex-Presidente da Sobrames-Ceará

* Publicado In: SILVA, M. G. C. da (Org.). Fora de forma! Médicos contam causos da caserna. Fortaleza: Expressão, 2020. 128p. p.62-63.

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