terça-feira, 9 de abril de 2024

Sobre a "inércia cognitiva"

Por Carlos Roberto Martins Rodrigues Sobrinho (Doutor Cabeto) (*)

O título faz alusão às possibilidades da ignorância e do ato de manter-se ignorando, ou seja desconhecer ou negar os fatos e a realidade, as contradições morais de nossa consciência.

Pois, uma coisa é fato. Ser ignorante pressupõe um desconhecimento da realidade, no aspecto intelectual. Já manter-se ignorando traduz não querer conhecer, ou, simplesmente, gozar do desconhecimento.

Noutro aspecto, Jacques Lacan, psicanalista francês, definiu o termo "a passion for ignorance" baseado em estudos budistas, para descrever como seus pacientes faziam de tudo para não saber a causa do sofrimento, mesmo quando expunham que gostariam de entendê-la. Na psicanálise a ignorância apresenta-se em formas distintas na neurose, na psicose e na perversão. Por Freud enquanto a psicose repudia a realidade, a neurose somente a ignora. Tal fato pude comprovar com uma experiência traumática quando ainda estudante, ao expor, por solicitação da própria família e de especialistas, o estado de um paciente com câncer terminal.

Por outro lado, muitas pessoas usam a negação e a ignorância como estratégia diante de verdades inconvenientes e que fogem das suas percepções de realidade, e ainda, como forma de criar cenários fantasiosos.

É fato que a distinção entre o ato de ignorar e o de manter-se ignorando remonta a aspectos morais que transitam entre responsabilidade e inocência. Sobre esse ponto de vista ouvi muitas vezes do meu pai; "quanto mais consciência e quanto mais conhecimento, maior sua responsabilidade social".

Num mundo instantâneo a informação é imediata, mas nem sempre respaldada de veracidade. Os algoritmos são, em si, uma nova forma de envolver, de aculturar e de transgredir valores.

Tudo isso gera ansiedade, e muitos optam por cerrar os olhos, não escutar ou silenciar diante de informações que causam desconforto.

Em tempos de crise, duvidar da verdade pode ser uma atitude cômoda para negar o sofrimento, ou ainda, uma estratégia de manipulação para impedir reações ao "status quo".

Enfim, o termo " inércia cognitiva", parece-nos adequado a um tempo de indiferença ao que é ou não verdade ou real. São os tempos da "post-truth", que, infelizmente, relaciona-se à inabilidade de aprender ou mesmo, a ausência da vontade de conhecer.

(*) Médico. Professor da UFC. Ex-Secretário Estadual de Saúde do Ceará.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 24/02/2024. Opinião. p.19.

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