quinta-feira, 26 de julho de 2018

O PLÁGIO


Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
Palavra que voltou à moda com relação à sabatina de candidato a magistrado da Suprema Corte.
Plágio é a ação de copiar obra alheia. O hábito da leitura é fundamental para quem escreve, além de ser um dos entretenimentos preferidos dos escritores. Samuel Johnson (1709-1784), o grande lexicógrafo dizia: “uma pessoa revira metade de uma biblioteca para escrever um livro”. Não poucas vezes um escritor cita, sem perceber, algo que não é dele e que incorporou como seu. O plágio tornou-se frequente depois da difusão do livro impresso. Leis para proteger o trabalho intelectual foram criadas a partir do século XV na Itália: o arquiteto Filippo Brunelleschi (1377-1446), construtor da cúpula da Catedral de Florença, a mais alta construída no período, patenteou seu projeto.
Ao tornar a cúpula mais pontiaguda, conseguiu que ela ganhasse mais altura, além de aumentar sua resistência às forças laterais dos ventos. A Lei dos Direitos Autorais Britânica, promulgada no ano de 1710, foi logo adotada por vários outros países. Assim a Convenção de Berna (1886), a convenção Universal de Direitos Autorais (Genebra, 1952), juntamente com a Convenção de Estocolmo, estabeleceram protocolos de patentes que serviram de base para a criação da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (1967), sendo que a Diretriz de Bases de Dados da União Europeia, aprovada em 1996, foi ultrapassada pelo aparecimento da Internet.
Na Roma Antiga, alguém que roubasse um escravo de outrem era denominado de “plagiarius” e parece que foi o poeta Marcial quem primeiro aplicou o termo plágio ao ato de copiar ou imitar obras alheias. Desde a mais remota Antiguidade os processos ou acusações de plágio estiveram presentes nas praças e tribunais. Já em Atenas, Eurípides e Platão foram acusados de roubar ideias de outros filósofos.
As culturas de Atenas e Roma eram intensamente competitivas, fato que não surpreende, e foram numerosas as acusações de plágio desde a Época Clássica. Na Idade Média essas acusações eram raras, porém dizem que São Tomás de Aquino (1225-1274), italiano, teólogo e religioso cuja doutrina é considerada fundamental para o pensamento católico, não ficou livre da acusação de ter plagiado as ideias de Aristóteles (384-322 a.C.), discípulo do Platão.
No Renascimento, os dramaturgos eram acusados de plágio, não fugindo desta pecha o próprio William Shakespeare, pois na realidade o “Hamlet” e o enredo de “Romeu e Julieta” foram baseados em lendas conhecidas.
O mundo da ciência não está imune a essas acusações. Assim, no final do século XVII os seguidores do matemático inglês Isaac Newton (1643-1727), afirmaram que Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716), filosofo e matemático alemão plagiara os princípios do cálculo diferencial enunciados por Newton.
No universo das ciências humanas, passou-se a usar notas de rodapé a partir do século 17, como prova de consulta a outros pensadores. Muitos escritores não o faziam, fosse por esquecimento ou má fé. Os impressores (numa tentativa de coibir o plágio) começaram a incluir o retrato dos autores nos livros, como se conhecer a aparência de uma pessoa facilitasse ou garantisse a originalidade do que ela havia escrito. O espanhol Camilo José Cela, Nobel de Literatura de 1989, está sendo investigado “post-mortem” por um tribunal de Barcelona, sob a acusação de plágio. Se sempre foi difícil legislar a respeito de plágios, agora com a Internet o problema se tornou ainda mais complexo.
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O poeta Fernando Pessoa ao declamar: Navegar é preciso/Viver não é preciso – seria um plagiador?
Nas bandeiras da Liga Hanseática estava escrito o seguinte lema em latim: (‘Navigare necesse est, vivere, non necesse’).
Devo recordar que a LIGA HANSEÁTICA foi uma confederação mercantil das cidades do norte da Alemanha. Originou-se de duas antigas confederações das cidades de Colônia e Lübeck, existentes no século XII. No séc. XIV, os membros dessas ligas passaram a compreender outras cidades alemãs situadas nas costas dos mares Báltico e do Norte. A herança mais positiva deixada pela Liga Hanseática foi o sistema de estatutos reguladores do comércio marítimo. A Liga dominou o comércio de peles com a Rússia, o comércio de peixe com a Noruega e a Suécia, e o comércio de lã com Flandres.
Hoje ela seria classificada com empresa multinacional. Em 1370, o rei dinamarquês tentou acabar com o poder da aliança, fechando o canal que leva ao Báltico. Uma esquadra hanseática tomou Copenhague e impôs um rígido tratado de paz à Dinamarca. No séc. XVI a Liga Hanseática entrou em decadência, acentuada pela Guerra dos Trinta Anos. O contexto empregado por Fernando Pessoa é muito diverso do lema econômico-guerreiro de uma empresa mercantilista.
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A morte de qualquer homem me amesquinha, porque faço parte da humanidade; por isso, nunca mandes saber por quem os sinos dobram. Eles dobram por ti” - John Donne (1573-1631). Foi esse o trecho que Ernest Hemingway utilizou para título do seu: Por Quem os Sinos Dobram. Seria o prêmio Nobel de literatura e um dos maiores escritores do século passado um mero plagiador?
A trágica história de Romeu e Julieta é da autoria de certo Arthur Brooke, que a baseou numa lenda folclórica sobre um melancólico príncipe da Dinamarca chamado Hamlet. Da história de um autor italiano sobre um comandante mouro e a mulher, Otelo o Mouro de Veneza e sua desventurada esposa Desdêmona, que ele mata injustamente por ciúme, nasceu o Otelo de Shakespeare. E da crônica de um historiador sobre reis escoceses, entre eles Macbeth, Shakespeare escreveu o seu, homônimo, com o aproveitamento integral de grandes partes do texto e até de outra peça.
A verdadeira história do Rei Lear e suas três filhas é de autoria desconhecida, mas tenho minhas dúvidas se permaneceriam como lição de vida se não fosse pelo teatrólogo William Shakespeare. Além de frequentemente se inspirar em Ovídio e Plutarco, Shakespeare aproveitava tramas e personagens e às vezes trechos inteiros de outros autores.
Já o livro do escritor Quentin Reynolds, autor de Guerra no Ar – Cia Editorial Continental, S. A. México - D.F. adverte quanto ao perigo da acusação de plágio.
“(…) alguns de meus escritos. Fico preocupado com o pensamento de que o que escrevi seja ou não de minha autoria, ou apenas uma bricolagem. Tomei o pensamento de várias pessoas. Esta não é uma desculpa, é uma explicação. Agradeço a eles terem me ensinado tanto”.
Portanto, muito cuidado devemos ter ao acusar alguém de “plagiarius”.
Maiores detalhes sobre plágio nos seguintes Sites da Internet:
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE) e da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES). Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha). Foi um dos primeiros neonatologistas brasileiros.

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