Por João Soares Neto (*)
Dizia o geógrafo Milton Santos que as
cidades “são construções sócio-técnicas, onde o conceito de inteligência deve
ir além do trivial: desejamos ter a smart-prefeitura, o smart-hospital, ou
seja, conseguir mais eficiência da cidade em benefício do cidadão, usando para
isso tecnologia. Esse benefício aparecerá no trânsito, nos serviços, no
gerenciamento dos riscos. E fazer isso com o uso massivo de tecnologia torna o
desafio mais interessante”. Li este texto no Valor, mas poderia ser em qualquer
outro veículo de comunicação.
Existe a boa tecnologia, a tecnologia
usada para o bem. E existe a tecnologia usada apenas para punir, multar ou, de
forma automática, gerar um boleto, com multa por conta de um atraso de um dia,
em face de uma fila imensa que faz idosos passar vexames.
Existem ainda os casos diários de
caixas eletrônicos de bancos dinamitados em capitais e cidades do interior, a
ocasionar transtornos e prejuízos aos que iriam fazer depósitos/retirada para
pagar contas de IPTU, carnês do INSS, água, luz e crediário, e terão que
fazê-lo depois da data, com multa. Reclamam eles também – e com razão – das
multas aplicadas em semáforos onde os motoristas têm medo de ficar à espera do
sinal verde, cercados de estranhos não havendo tráfego que impeça o
deslocamento.
Esta semana, por exemplo, um desses
jovens impetuosos do trânsito cortou o meu carro pela direita, o que a lei
proíbe. Além disso, trancou a via, desceu como um desesperado, ignaro que era,
e dirigiu-se a mim. Fechei o vidro e ele deu pancadas. Abri uma fresta e disse
que ele nem sabia que cortar pela direita era irregular. Um imbecil. Poderia
ter havido mais um crime ou, pelo menos, uma luta corporal. E isso acontece a
todo instante.
Um Cônsul honorário, em plena
Aldeota, levou um tiro de raspão na boca, teve o seu carro levado (depois
encontrado) e passou horas seguidas, na madrugada, para fazer um simples
boletim de ocorrência e a identificar os meliantes.
Dia desses, fui abastecer o carro. Ao
meu lado, no posto, estava um veículo médio com um grande equipamento de som
que tomava todo o bagageiro. Esse som refletia luzes intermitentes e era
testado pelo cioso proprietário a se acreditar um DJ (disk jockey) volante. Ele
faz parte da grei dos atormentados, dos que não conseguem distinguir barulho de
harmonia melódica. Dos que ouvem essas “músicas” em altíssimos decibéis com
letras de verso de pé quebrado e sentidos chulos.
Talvez eles tenham como referência,
quem sabe, o astro (como era mesmo o nome dele?) da série Velozes e Furiosos,
recentemente, falecido em uma colisão em alta velocidade. Ou, quem sabe, são admiradores
de ídolos como Justin Bieber, preso ao participar de um “pega”, em Miami, em
carro da locadora de Felipe Massa. Bieber dirigia no dobro da velocidade
permitida e teria usado álcool e outras drogas.
Voltando ao início da conversa, as
cidades não precisam apenas de tecnologia, mas de administrações atentas ao
conjunto das suas partes. Este texto coloca “junto e misturado” assuntos
distintos que fazem a crônica (policial e social) das cidades, ou vão parar nas
colunetas que inventam celebridades ocas, a confundir e infundir modos e modas
em jovens ainda incapazes de ajuizar as distinções entre o bem e o mal.
(*) João Soares Neto é escritor e membro da Academia Cearense de
Letras.
Fonte: Publicado no jornal O Estado, de 14/1/19.
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