Há 6
anos, no oitavo dia de um agosto mês, Airton Monte, cronista-mor deste
periódico naquele tempo, assinaria a derradeira coluna de sua laboriosa e
diuturna cruzada de 19 anos de publicação. Como essa indigesta e inacabável
pausa não se tratasse de uma despedida anunciada e muito menos voluntária, a
crônica Domésticos Percalços nem de longe poderia ser colocada entre as suas
melhores peças literárias. Mesmo assim, podemos encontrar nela os elementos
mais frequentes que serviriam de matéria-prima para o cronista: a casa
("simulacro do mundo lá fora"), a família (histórias de Sonia - a sua
"amada" e "ministra da Fazenda" -, dos filhos Pablo e
Bárbara - a nossa irreverente Babita -, e mesmo do cachorro - do qual não
recordo o nome), a incapacidade de lidar com as coisas práticas do mundo
("sujeitos imprestáveis como eu, totalmente desprovidos de qualquer
habilidade numa dessas mecânicas atividades, incapaz até de pendurar um quadro
na parede sem derrubar a própria utilizando martelo e pregos") e, claro, a
sua rotina (nesse texto, um domingo à tarde, as coisas que quebram, a
dificuldade de conseguir profissionais e a crítica a peregrinos do Caminho de
São Thiago e a romeiros cearenses, a partir de um documentário que assistia).
Também é inegável a dicção de Airton, aquela mesma, adornada de ironias,
metáforas e deboche anárquico, a mesma que conquistava a audiência dos amigos e
leitores com quem frequentemente dividia mesas de bar, esquinas, botequins
("Somente numa mesa de botequim é que se realiza a verdadeira, legítima
democracia"), até mesmo o seu consultório do finado Hospital Mira Y Lopez,
e, claro, o tão propalado clã do Solar dos Monte.
Aos 63
anos de idade, alguns meses antes, ele já se queixava: "Vaga tão sem graça
o meu cotidiano, tão deserdado de mistérios, tão óbvia e repetitiva a minha
vida que nem uma telelágrima das seis, das sete, das oito, das dez, das
onze." E filosofava: "não sei se é uma merda ou uma bênção haver
vivido tanto". Provavelmente, nessa hora, beijava o escapulário do
"Chiquinho", "beque central contra os maus olhados", que
trazia fielmente ao pescoço, colocava um disco na vitrola, acendia um cigarro e
se punha a batucar amorosamente à máquina de escrever aquilo que antes
rascunhou de punho. Na mesa de trabalho, um dicionário era posto aberto, mesmo
quando optava pela "mesmice ramerrã". Já ali, no legítimo palco dos
escritores, o autor conversava com seus leitores. Refletia. Brincava. Sofria.
Comemorava. Criticava. Enaltecia. Amava. Convidava um punhado de gente a parar
um pouco e simplesmente olhar para cima: "Afora esses pequenos distúrbios,
nada mais surge no céu do que os aviões de carreira, além das brancas nuvens
polvilhando o azul solar da tarde acima de minha cabeça atarantada."
Hoje,
10 de setembro, no momento em que você leitor(a) estiver lendo isto,
completam-se exatos 6 anos de encantamento desse cronista suburbano e
"pós-moderno" (porque passara a usar e-mails), frequentador assíduo
do Flórida Bar (o "Hezbollah do Clube do Bode"), autor de diversas
obras, como O Grande Pânico, Homem não Chora, Alba Sanguínea, Moça com Flor na
Boca e Os Bailarinos. Continuo sem entender a passagem de pessoas assim. Muito
menos entender como é que o mercado eleitoral, principalmente o local, ignora
tal manancial literário. Aqui, do meu palco particular, ouço na voz de Airton
Monte: "O meu medo do tempo não é o medo de morrer, não é o medo de
envelhecer. O medo da palavra tempo é o de me tornar obsoleto em relação ao
presente." Obsoletos, amigo velho, são aqueles que não ouvem o seu apelo.
Viva entre nós.
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