sexta-feira, 4 de novembro de 2022

Crônica: “O milagre em São José do Caxingó das Almas” ... e outros causos

O milagre em São José do Caxingó das Almas

Tudo começou numa brincadeira de Soletrando, debaixo dum pé de jaca carregada, bem madurinha. 11 meninos e meninas e uma professora aposentada da pacata cidade brincavam alegres e satisfeitos de "desenvolver, de forma prazerosa, habilidades de leitura e conhecimentos da Língua Portuguesa, despertando a curiosidade e a necessidade de pesquisar". A determinado ponto da diversão, o desafio de soletrar a palavra CAXINGÓ, como carinhosa e abreviadamente era conhecido o lugarejo que habitavam.

Soletrar de um fôlego só - falando pra dentro - o adjetivo referente àquele que caminha com muita dificuldade, que caxinga, manca, coxeia (é coxo), até que nem tanto. Problema foi, no desenvolvimento da lúdica arrumação, saber - vogando! - a origem do topônimo "São José (De Assis) do Caxingó das Almas". Por que nome tão quilométrico para uma comunidade de pouco mais de 20km2 de extensão? Após debates acalorados e infrutíferos, a dita mestra encostada pelo INPS (Onorina de Milton Côco) telefonou pra uma tia vitalina, perguntando pela gênese da denominação, "comprida à moda dia de fome". A octogenária deu aula de "cidadania", no celular colocado pra todos ouvirem.

- Foi num dia de São José que João Romão, farinheiro local, fez colar em si, em tarde abafada, a história de um milagre que, doravante, marcaria a localidade, de forma mais potente e abençoada. João era coxo de nascença. Contando 60 primaveras, sentia-se demais cansado de andar sustentado em precário par de muletas. Esgotado, por aquela época, demorava-se mais no fundo da fianga que sentado. De pé, "necas de Capibaribe!"

O milagre milagroso

Da rede armada na sala de casa onde repousava, João Romão viu por uma fresta de porta, no terreiro, uma raposa matreira, detrás duma bananeira, a mirar faminta a ninhada de pinto de capote dele, ciscando inocente. As muletas estavam a três metros de João; a raposa, a metro e meio das avinhas d'angola, escondida, num pé e noutro pra dar o bote. O caxingó grita por alguém, mode espantar o esperto animal; ninguém ouve. E agora? Na iminência de perpetrar-se o capoticídio, João apelou à Providência Divina. Pediu fervoroso, quase às lágrimas:

- Senhor Jesus, fí de Maria concebida sem pecado, não deixa essa malvada pegar meus pintim, não! Pedido de colega! Opera aí teu milagre, que tem abrangido tanto caba sem futuro nessa nação, para a graça de todos nós, capotes que somos nessa hora aflitiva!

E o milagre, creiam, fez-se naquele 19 de março. Não, o coxo do João não se levantou da rede e meteu o pé na carreira em busca de espantar a raposa bandida. Não. As duas muletas de João, como por encanto, é que saíram andando sozinhas, ziguezagueando porta a fora, tangendo pra bem longe dali o malfazejo mamífero da família dos canídeos, gênero Vulpes. E os pintins foram enfim salvos. 

Quatro pessoas das redondezas testemunharam com os olhos que a terra haveria de comer o leriado das muletas andantes, sem nelas apoiar-se o dono manco. Achou-se, em princípio, tratar-se de diversão de menino fuleiro. Comprovado o milagre das muletas perambulantes de João Romão pelo padre De Assis, chamado às pressas ao local, a partir desse dia São José recebeu por acréscimo o alongado "De Assis do Caxingó das Almas", para a honra e Glória de Deus Pai, amém!

Papagaio

Essa é do amigo Agenor. O papagaio do Sérgio Moreira deu em falar palavrão demais com as visitas. O proprietário da ave palradora explicava: "Zé Nelson (nome do psitacídeo) agora é morto e vivo no Alto da Balança, brincando de arraia com a moçada"...

Fonte: O POVO, de 21/10/2022. Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.

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