quarta-feira, 12 de setembro de 2018

A ENTREGA DA QUALIDADE ESCOLAR AO MERCADO


Por André Haguette (*)
Leio, com surpresa e entusiasmo na coluna do leitor da Folha de São Paulo, a seguinte mensagem: “A sociedade e o Estado precisam ter como projeto de nação a valorização da escola pública e afastar a lógica de mercado da educação”. Grande sabedoria! Já que a educação de qualidade é um direito e não um bem a ser vendido e comprado, a lógica do mercado nela não deveria intervir e ainda mais quando se constata que a educação de qualidade beneficia a sociedade como um todo e não somente os indivíduos que a ela têm acesso. Fico ainda mais entusiasmado quando o autor conclui: “A escola privada deveria se tornar uma exceção... de maneira que filhos de pobres e ricos possam estar lado a lado, num espaço de ensino gratuito de qualidade. Pagar por uma educação de qualidade é trágico. Delegar ensino de qualidade ao mercado é o mais grave erro que os governantes do Brasil cometem e a principal causa das desigualdades”.
Não conheço o autor dessa carta e nem imagino sua idade e formação, mas reconheço a sua perspicácia. Qual fator, com efeito, é mais responsável por nossas múltiplas desigualdades do que uma educação de qualidade para uns poucos e uma educação de baixo rendimento para a maioria? Concordo que delegar o ensino de qualidade ao mercado seja talvez o maior erro que os dirigentes do País cometem atendendo aos interesses das classes remediadas e ricas, que assim prolongam por gerações sua autoproclamada superioridade meritocrática!
Na mesma edição da Folha, Hélio Schwartsman escreve que “desde o relatório do pesquisador americano Coleman, de 1966, sabe-se que a condição socioeconômica do estudante é o fator que melhor explica seu desempenho acadêmico, importando mais do que variáveis com mais cara de educacionais como qualidade dos professores, investimentos por aluno etc.”. Estudos internacionais só fazem confirmar a força da variável econômica, embora haja alunos do andar de baixo que alcançam mobilidade escolar e social. Mas são minoria – uns 6%; uma minoria que compartilha um grande tesouro: o apoio irrestrito dos pais. Esse apoio irrestrito é a variável que permite a resiliência e o sucesso dos poucos que conseguem chegar a universidades de prestígios e quebrar barreiras impostas pela pobreza e pela anêmica escolaridade de suas famílias.
Fala-se muito na necessidade de melhorar a educação pública, mas não se identifica duas das principais causas de seu baixo desempenho: a entrega da qualidade escolar ao mercado via escola privada e a baixa renda e pouca escolaridade dos pais que não incentivam (ou não conseguem incentivar, pressionar) seus filhos a estudar. Filhos de famílias abastadas convivendo entre si acabam tendo empenho escolar; filhos de famílias pobres convivendo entre si tendem a não receber os incentivos necessários para estudar e aprender. Isso em qualquer país do mundo. Fazer com que “filhos de pobres e ricos possam estar lado a lado num espaço de ensino gratuito de qualidade” e convencer os pais a desenvolver nos filhos o gosto pelo estudo são elementos da solução de nossa educação. O apartheid escolar e a condescendência dos pais nos condenam a um fracasso coletivo com graves incidências em outros setores como a economia, a violência e a política.
(*) Sociólogo e professor titular da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Publicado In: O Povo, Opinião, de 16/7/18. p.21.

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