Por André
Haguette (*)
Leio, com surpresa e entusiasmo na coluna do leitor da
Folha de São Paulo, a seguinte mensagem: “A
sociedade e o Estado precisam ter como projeto de nação a valorização da escola
pública e afastar a lógica de mercado da educação”. Grande sabedoria! Já que
a educação de qualidade é um direito e não um bem a ser vendido e comprado, a
lógica do mercado nela não deveria intervir e ainda mais quando se constata que
a educação de qualidade beneficia a sociedade como um todo e não somente os
indivíduos que a ela têm acesso. Fico ainda mais entusiasmado quando o autor
conclui: “A escola privada deveria se tornar
uma exceção... de maneira que filhos de pobres e ricos possam estar lado a
lado, num espaço de ensino gratuito de qualidade. Pagar por uma educação de
qualidade é trágico. Delegar ensino de qualidade ao mercado é o mais grave erro
que os governantes do Brasil cometem e a principal causa das desigualdades”.
Não conheço o autor dessa carta e nem imagino sua idade e
formação, mas reconheço a sua perspicácia. Qual fator, com efeito, é mais
responsável por nossas múltiplas desigualdades do que uma educação de qualidade
para uns poucos e uma educação de baixo rendimento para a maioria? Concordo que
delegar o ensino de qualidade ao mercado seja talvez o maior erro que os
dirigentes do País cometem atendendo aos interesses das classes remediadas e
ricas, que assim prolongam por gerações sua autoproclamada superioridade
meritocrática!
Na mesma edição da Folha, Hélio Schwartsman escreve que “desde o relatório do pesquisador americano Coleman, de
1966, sabe-se que a condição socioeconômica do estudante é o fator que melhor
explica seu desempenho acadêmico, importando mais do que variáveis com mais
cara de educacionais como qualidade dos professores, investimentos por aluno
etc.”. Estudos internacionais só fazem confirmar a força da variável
econômica, embora haja alunos do andar de baixo que alcançam mobilidade escolar
e social. Mas são minoria – uns 6%; uma minoria que compartilha um grande
tesouro: o apoio irrestrito dos pais. Esse apoio irrestrito é a variável que
permite a resiliência e o sucesso dos poucos que conseguem chegar a universidades
de prestígios e quebrar barreiras impostas pela pobreza e pela anêmica
escolaridade de suas famílias.
Fala-se muito na necessidade de melhorar a educação
pública, mas não se identifica duas das principais causas de seu baixo
desempenho: a entrega da qualidade escolar ao mercado via escola privada e a
baixa renda e pouca escolaridade dos pais que não incentivam (ou não conseguem
incentivar, pressionar) seus filhos a estudar. Filhos de famílias abastadas
convivendo entre si acabam tendo empenho escolar; filhos de famílias pobres
convivendo entre si tendem a não receber os incentivos necessários para estudar
e aprender. Isso em qualquer país do mundo. Fazer com que “filhos de pobres e ricos possam estar lado a lado num
espaço de ensino gratuito de qualidade” e convencer os pais a desenvolver
nos filhos o gosto pelo estudo são elementos da solução de nossa educação. O apartheid escolar e a
condescendência dos pais nos condenam a um fracasso coletivo com graves
incidências em outros setores como a economia, a violência e a política.
(*) Sociólogo e professor titular da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Publicado In: O Povo, Opinião, de 16/7/18. p.21.
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