Um calango pra encantar de
humanidade esses meninos
São
os tempos, são os tempos, e eu entendo o que vive a bruguelada d'agora. Muitos
meninos comem e dormem agarrados ao celular, assistindo à ruma de arrumação
"sem vintura" que rouba criatividade, com perda de liberdade para o
exercício da "munganguice" natural do brochote aqui nascido, tipo que
vivia solto na buraqueira, só de calção (no osso) e infantilmente alegre, que
nem pinto em balseiro. Pra onde os pais vão, há de haver o parquinho ou a
brinquedoteca, senão choram e chutam o pé da mesa.
Aí
eu decidi levar um neto de seis anos pra passar um sábado no sertão. No sítio,
uma lagoa com bom volume de água, e era safra de manga; tinha um jumento pra
gente andar e até casa de farinha funcionando. Um choque pra ele aquilo tudo.
Saímos propriedade a dentro. Menino espantado. Mas eu sentia que ele estava
feliz. De repente defrontamo-nos com um calango. Espanto medonho! "Um
dinossauro, vô!!!"
-
Não, Bernardo! É um lagarto, família dos teídeos.
-
Morde?
-
Nem ele nem a tijubina, nem a lagartixa nem a briba nem tiú.
-
Tijubina, lagartixa, briba, tiú?!?
-
Vou capturar um pra você, é mansinho!
-
Jura, vô?
Pensando
em dar altas "lições acústicas" de vida real ao menino, peguei uma
palha verde de coqueiro e dela retirei o talo; na parte fina fiz um laço, que
untei com cuspe. Me aproximei com cuidado do bicho (Bernardo super atento), fiz
o laço lentamente adentrar à cabeça do calango e puxei. Tava preso o indefeso,
gentil e simpático animal.
-
Nem o Enaldinho faria melhor, vô!
-
Agora vou soltar! É só pra você ver como a vida aqui fora é diferente da vida
dentro dum celular!
De
volta à cidade, em casa, o neto conta ao povo da aventura, começando pelo
calango.
-
Vô, conta pro papai aquela mentira cabeluda do calango com cuspe!
Lições da Fala Cearense
Vi
no jornal que uma mestra do Ceará (salve, professora Virgínia Bente!) criou uma
coletânea de vocabulários de termos populares na área da saúde. Fiquei muito
feliz. Trabalho maravilhoso. Em homenagem, este precário pesquisador contribui
agora com alguns novos termos do cearensês que diariamente lhe chegam.
-
Caindo aos pedaços - Muito velho, lascado, nas últimas.
-
Se abra não! - Não ria, não ache graça!
-
Que nem os gatos de Letícia - Quando a pessoa está comendo sem gostar, sem
querer, meio à força.
-
Só ouvindo a conversa! - Atento, ligado, um olho no peixe e outro no gato.
-
A vez da burrice - Tese defendida pelo filósofo Procópio Straus, segundo o qual
"Se um jumento anunciar sabedoria, todos seguirão o bicho".
-
Se não resolveu é porque foi pouco - Peia e dinheiro.
-
Da baixa da égua pruma banda - Longe que só a mulésta!
-
Essa praga! - Criatura sem futuro, imprestável!
-
Ligerim, bóra! - Avia, avia, avia!
-
Um ovo!!! - Bem pequenininho. O mesmo que "o fiofó duma pulga".
-
E quem é esse (sujeito aí) na fila do pão? - Referência à pessoa sem expressão
alguma que pensa que caga mais que um boi.
-
Em tempos de dificuldade, todo bicho apertado afrouxa - No popular, "quem
tem anel de couro tem medo!"
-
Socar a moleira - Apertar a moleira da criança pra tirar o efeito nocivo de um
mau-olhado.
Fonte: O POVO, de 14/03/2025. Coluna
“Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.
Nenhum comentário:
Postar um comentário