quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

RECIFE X CALIFÓRNIA (Pesquisa das causas da violência entre os jovens)

Meraldo Zisman (*)

Médico-Psicoterapeuta

Submetidos à mesma pesquisa sobre o aumento da violência entre os jo­vens, os norte-americanos apontaram a instabilidade familiar como a maior explicação para a criminalidade entre crianças e adolescentes, enquanto os recifen­ses consideram a pobreza como a principal causa do problema.

Tudo na vida é uma questão de ponto de vista. Veja que os resultados das pesquisas de opinião pública diferem de uma região para outra do mesmo país e ainda mais entre países diferentes.

Acautelo quanto às consequências da divulgação dessas pesquisas apressadas que nos empurram pela goela abaixo como cientificamente verdadeiras. Assistimos ao endeusamento da Biologia, genomas, como se fosse a época da astrologia e os genes fossem como astros celestes que determinariam nossa vida e nossos gostos e crenças.

O resultado dessas crenças passa pelas curas e milagres televisivos, explodem nos movimentos fundamentalistas, culminando na vasta literatura de autoajuda e no aparecimento de novos sofrimentos mentais. Acabaram-se as infecções; o que agora está na moda é a depressão.

Alguém já andou dizendo por aí que existem três tipos de mentira: as mentiras, as mentiras estatísticas e as mentiras deslavadas. A estatística é a maior ciência inexata, dizem.

Submetidos à mesma pesquisa sobre o aumento da violência entre os jo­vens, os norte-americanos apontaram a instabilidade familiar como a maior explicação para a criminalidade entre crianças e adolescentes, enquanto os recifen­ses consideram a pobreza como a principal causa do problema.

Os norte-americanos revelaram uma postura muito mais repressora ao apontarem como a principal solução para a redução da violência a aplicação com mais rigor do Código Penal entre os jovens infratores. Os recifenses pre­feriram colocar a solução nas mãos do governo, sugerindo aumentar as dota­ções oficiais destinadas à melhoria das condições de educação, oportunidades, recreação e esportes para os adolescentes.

Considerando a mesma amostragem de 886 recifenses entrevistados constatou-se que 38,94% deles apontavam a pobreza como a principal causa da violência (o maior percentual). Mais de 72 % dos norte-americanos apontaram como a principal causa a “a falta de supervisão e os maus-tratos dos pais”.

Confirmou-se a predominância nos países do Terceiro Mundo, como o Brasil, de um discurso há muito superado em países do Primeiro Mundo, como os Estados Unidos, relacionando a pobreza à violência. As forças políticas e sociais brasileiras, formadoras da opinião pública, também estão com um discurso ultrapassado.

Quando interrogados sobre as soluções, os recifenses tiveram opiniões mais parecidas, independentemente de classe social. Sugeriram o aumento das verbas para políticas sociais como forma de frear a violência entre os jovens.

Pelo menos 79% dos norte-americanos (californianos) entrevistados consideraram a aplicação com mais rigor do Código Penal como a melhor solução.

Confirmou-se a predominância nos países do Terceiro Mundo, como o Brasil, de um discurso há muito superado em países do Primeiro Mundo, como os Estados Unidos, relacionando a pobreza à violência. As forças políticas e sociais brasileiras, formadoras da opinião pública, também estão com um discurso ultrapassado.

Se a má distribuição da riqueza fosse a principal causa da violên­cia, nos países ricos e desenvolvidos do Primeiro Mundo não haveria índices tão altos de criminalidade. Esse discurso também predominava nos Estados Unidos antes dos anos 60. A partir da década de 60, com a pressão e os mo­vimentos sociais em defesa das minorias, os norte-americanos começaram a rever suas posições.

A violência entre os jovens é um problema psicossocial (que concerne simultaneamente à psicologia individual e à vida social) ou, dito de outra forma, a Psicologia Social é o ramo da psicologia que estuda como as pessoas pensam, influenciam e se relacionam umas com as outras. Surgiu no século XX como área de atuação que visa estabelecer uma ponte entre a psicologia e as ciências sociais (sociologia, antropologia, geografia, história, ciência política).

Sua formação acompanhou os movimentos ideológicos e os conflitos do seu tempo: as grandes guerras, a ascensão do nazifascismo, a luta do capitalismo contra o socialismo, levando também a uma reavaliação das relações familiares, criando mecanismos para sua proteção e integridade. A deficiência ou ausência de tais mecanismos são julgadas hoje como a principal causa do aumento da violência entre os jovens.

(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE), da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES) e da Academia Recifense de Letras. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha).

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