segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

CADA UM ADOECE À SUA MANEIRA

Meraldo Zisman (*)

Médico-Psicoterapeuta

… Muitas patologias não passam de concessões feitas ao poder médico tradicional, que age como mero robô, tanto nas pandemias como fora delas. Cada ser humano tem uma maneira única de adoecer…

É evidente que a doença pandêmica causada pelo vírus apelidado de COVID-19 está aumentando a ansiedade global, assim como o medo da ameaça – real ou sugerida – à saúde física/mental de cada um. Ademais, com uma taxa de mortalidade média entre 3% e 5%, a gravidade da doença, o resultado do tratamento e o prognóstico variam profundamente entre os indivíduos, independente das regiões. Depois de tantos anos de prática médica eu sei que cada pessoa adoece de uma maneira. A patogênese do COVID-19 pode parecer nova, mas compartilha algumas semelhanças com as epidemias virais anteriores que assolam a humanidade desde a Pré-história. Apesar disso, não se pode esquecer que, com o advento de descobertas técnico-científicas, a Medicina de hoje está bem mais preparada para enfrentar as viroses.

Mesmo que a preparação de vacinas para o combate ao COVID-19 esteja em plena atividade, algumas medidas como isolamento, higiene pessoal e outras preventivas são necessárias. As vacinas específicas estão em preparação e certamente dentro em breve disporemos delas. Enquanto isso, pouco se fala, comenta ou adverte sobre a situação da Psicoimunologia, designada como a área de estudo e investigação direcionada para a compreensão da influência de variáveis psicológicas no funcionamento e efetividade imunitários. Lembro que ela constitui parte integrante da Psicologia da Saúde na ‘interface’ entre a saúde física e psicológica e, deste modo, deve ser considerada no todo que é a Pessoa.

Propaga-se, e é fato, que os adultos mais velhos com multimorbidades podem ser particularmente afetados por questões como isolamento, solidão, assistência ao fim da vida e luto, que podem ser exacerbadas pela chamada “divisão digital”. Em época em que a informática e os algoritmos despontam com orientação para a vida esquece-se de que tal bifurcação provoca uma nova discriminação tecnológica que é sim, outro aspecto da pobreza e exclusão social.

Por isso novos fundos, estratégias, e avanços serão necessários para procurar minorar as desigualdades, alavancando a infraestrutura das lideranças mundiais em pesquisa sobre neurociência e saúde mental, para amparar uma resposta global aos problemas de saúde mental e neurológicos da pós-pandemia.

Nestes tempos difíceis, a ciência da saúde mental deve ser aproveitada para servir à Sociedade e beneficiar a saúde global de cada indivíduo, a longo prazo.  Caso desejarmos continuar no mito da separação soma/psíquico (doenças psicossomáticas) implicaremos na admissão de que existem outras nosologias que não são psicossomáticas. Enquanto nós, os médicos e demais profissionais de saúde, assim pensarmos, estaremos definindo à necessidade de um paciente “somatizar” a sua doença ou desenvolver um distúrbio psicológico qualquer.

Advirto e aconselho cautela. Muitas patologias não passam de concessões feitas ao poder médico tradicional, que age como mero robô, tanto nas pandemias como fora delas.

Cada ser humano tem uma maneira única de adoecer.

(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE), da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES) e da Academia Recifense de Letras. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha).

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