sexta-feira, 2 de setembro de 2022

Crônica: “Cachorro que tem dois donos passa fome”

Cachorro que tem dois donos passa fome

A pressão, no ponto de ser medida com dificuldade numa borracharia, repousava na casa dos 21 e uma cacetada por 15 e uma chibatada. Cedia nem a pau. Pré-diabético, gordurento da aorta, triglicerídico às rumas, gotoso crônico, micótico das unhas e com a pior de todas as mazelas que um cristão pode colecionar: liseira geométrica. Em suma, ali um homem na peinha de nada, em risco de beliscar a bunda da morte...

O médico da família consultou João de Zeca e receitou uma ruma de exames, pra se inteirar do nível de desgaste na flandagem e no motor da criatura; exames que nem prestavam. Suspeita de problema cardíaco. Pelo olhômetro do especialista, o coração já sabugado motivava o despombalizamento notório.

Do Mapa ao Holter, da polissonografia à cintilografia, do teste ergométrico à radiografia de tórax, tudo carecia de ser feito por João de Zeca imediatamente. Roncava feito um peba e, ultimamente, os pés pareciam uma parêa de cururu teitei na retaguarda. Das coisas do sangue, até o de detecção precoce do estalecido foi solicitado.

Não à toa, as palavras do esculápio soavam algo amedrontador, aventados o AVC, a embolia, a trombose e até uma cirurgia. Enfim, possibilidades ampliadas de fim de linha a quem contava 55 anos. Caneco não cabia um coco, o dele.

- Medo de pegar na mão de São Pedro, macho? - frescava o médico chapa.

- Não, dotô! O que lasca é essa coceira na região canectiva! Pode ser ela a causa...

- Pois abra do olho! Comece amanhã os exames e me veja os resultados, ligeiro bala!

- Dotô, na minha mente essa curuba renitente...

- Se te incomoda tanto assim, tiremos uma taiada do tecido pra biopsia.

Pronto, primeira parte das investigações concluída - via sangue. A seguir, os testes diretamente ligados ao coração. Ora de enfrentar o mais invocado - a cintilografia. A esse propósito, João de Zeca fora alertado de que não podia comer isso e aquilo 24 horas antes do procedimento. A atendente da clínica deu nome aos bois, verbativa e taxativamente:

- O senhor está proibido de tomar café, chá, refrigerantes, chocolate e alimento ou medicamento que contenha cafeína até a hora do exame! Prestenção!!!

- Gabarito, doutora!

Mas o caba véi esqueceu os nomes dos alimentos que não devia passar pra dentro do bucho. Em casa, já, a mulher ainda tentou dialogar:

- O que é mesmo que tu não pode nem sentir o cheiro até a hora do exame?

- É o... quer dizer, é a...

- A o que, mah?

- Grolado, pitomba, fubá e paçoca! - João deu um chute.

- Não pode, não pode ser isso!

- Pois anota aí: broa, coalhada, biscoito champanhe e rosca! - rechutou João, firme.

- Ah, sim!...

Faltava a derradeira coisa pra saber porque cão do meio dos infernos a pressão dele não baixava. Lembram da coceira na região canectiva que poderia ser a causa da coisa? O doutor acedeu à sugestão mais para acalmar João que pela efetividade dalguma manobra nesse sentido. Pra fazê-lo, precisou sedar o paciente. Findo o procedimento, João na maca, meio grogue, a caminho da sala de recuperação. Médico pergunta ingênuo:

- Como o senhor está?

- No ponto de capar dois jumento - responde João de Zeca resoluto, levantando a cabeça.

- Tá delirando! Caso dele é com a psiquiatra!- constatou o médico amigo.

Fonte: O POVO, de 26/08/2022. Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.

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