domingo, 12 de fevereiro de 2023

Causo Médico: ROUBO DE MARIDO

A alta demanda espontânea e a característica de centro de referência em Pediatria do Ceará fazem do Hospital Infantil Albert Sabin (HIAS) um hospital com elevada taxa de ocupação, havendo uma enorme pressão pelo internamento em seus mais de trezentos leitos.

A excelência dos seus atendimentos soma-se à complexidade dos serviços que a instituição presta, concorrendo, também, para justificar a acentuada procura por seus muitos leitos, que não dão vazão ao acolhimento de tantas crianças necessitadas de hospitalização; não há intenção da direção do hospital, de internar, de qualquer jeito, lançando mão do recurso de espalhar macas pelos corredores, como acontece em outros hospitais públicos, calejados na prática da superlotação de pacientes.

Além do zelo na admissão, consubstanciado em rigorosa triagem, visando hospitalizar, prioritariamente, as crianças portadoras de doenças mais complexas e/ou em condição de maior gravidade, o HIAS mantém um serviço de gerenciamento dos seus leitos, que cuida do remanejamento de pacientes entre as suas unidades e enfermarias, e providencia a transferência inter-hospitalar.

Essa transferência dá-se, após criteriosa avaliação médica, dos enfermos estáveis, com diagnóstico firmado e tratamento resolutivo em curso, porém passível de ser continuado em hospital pediátrico geral, de menor grau de especialização. Com isso, é possível desocupar leitos, aumentando o índice de giro, propiciando a hospitalização de mais crianças que, de fato, teriam maior benefício se fossem cuidadas no HIAS.

A Dra. Zilda Barroso (nome fictício) é uma das médicas responsáveis por essa avaliação dos pacientes internados, e, após examinar uma criança na enfermaria desse hospital, ela concluiu que a mesma poderia ser transferida para outro hospital infantil, credenciado ao SUS, localizado na periferia de Fortaleza.

Depois de devolver o prontuário ao Serviço de Enfermagem, a auditora médica dirige-se à acompanhante do menino:

– Dona Sueli, sua criança está bem e pode ser transferida para o Hospital Infantil Dr. Aloísio Fernandes Leal – anunciou a Dra. Zilda.

– Ah! Pra lá ele não vai, não! Eu prefiro levar meu filho direto pra casa, doutora.

– Infelizmente, não, D. Sueli! Ele faz uso de antibióticos caros e injetáveis. O tratamento requer acompanhamento médico.

– Mas eu não aceito levar ele pro hospital que a doutora quer – proclamou a mãe.

– Por favor, me diga a razão dessa sua recusa. É o melhor para o seu filho.

– Eu sei, doutora. É que lá tem muito roubo.

– Que história é essa, D. Sueli? Nunca houve denúncia de roubo contra esse hospital.

– Não é dos médicos de lá que eu falei, não, viu. Eu sei que eles não “roubam”.

– Quem é que “rouba” lá, para a senhora não querer internar o seu garoto? – Indagou a médica.

– Tá bem! Vou contar. A minha vizinha, a Suzyane, internou lá a filhinha dela.

– E o que aconteceu? Furtaram os pertences da Suzyane? Ela foi roubada?

– Foi pior, doutora. Ela ficou como acompanhante da menina e o marido dela, ia sempre visitar as duas, mas ele só ia lá porque tava de namoro com outra mãe, a acompanhante de um menino internado na enfermaria ao lado.

– Qual foi o final dessa paquera?

– Num foi nada bom! O sacana, assim que o menino da outra teve alta, escafedeu-se e foi morar com a nova “periguete”. Não voltou mais, nem pra ver a própria filha.

– Você acha que corre risco disso se repetir com você? – Inquiriu a Dra. Zilda.

– Sim, doutora! Depois, eu já soube de várias mulheres que perderam os seus companheiros nesse hospital. Lá é uma ladroagem de maridos, que só vendo; tem sempre umas mulheres descasadas ou mães solteiras que avançam no que é dos outros.

– Você acredita que isso pode ocorrer com você, caso leve o seu menino para lá?

– Sim, doutora! O meu marido é bem bonito e novo. Ele é dez anos mais novo do que eu. Se eu facilitar, as ladronas de marido pegam, né?

– Está bem! Acho que a senhora tem toda razão. É melhor não correr esse risco, de perder o esposo. Vou indicar a transferência do seu menino para o Hospital Infantil Dr. Álvaro Mota.

– Tá ótimo, doutora! Lá não tem roubo de marido, não. Muito obrigada.

Marcelo Gurgel Carlos da Silva

Da Sobrames/CE e da Academia Cearense de Médicos Escritores

Fonte: SILVA, Marcelo Gurgel Carlos da. Medicina, meu humor! Contando causos médicos. 2.ed. Fortaleza: Edição do Autor, 2022. 144p. p.34-36.

* Republicado In: AMC. Causo médico. Informativo AMC (Associação Médica Cearense). Setembro de 2022 - Edição n.15, p.15-16 (em pdf).


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