A alta demanda espontânea e a característica
de centro de referência em Pediatria do Ceará fazem do Hospital Infantil Albert
Sabin (HIAS) um hospital com elevada taxa de ocupação, havendo uma enorme
pressão pelo internamento em seus mais de trezentos leitos.
A excelência dos seus atendimentos soma-se à
complexidade dos serviços que a instituição presta, concorrendo, também, para
justificar a acentuada procura por seus muitos leitos, que não dão vazão ao
acolhimento de tantas crianças necessitadas de hospitalização; não há intenção
da direção do hospital, de internar, de qualquer jeito, lançando mão do recurso
de espalhar macas pelos corredores, como acontece em outros hospitais públicos,
calejados na prática da superlotação de pacientes.
Além do zelo na admissão, consubstanciado em
rigorosa triagem, visando hospitalizar, prioritariamente, as crianças
portadoras de doenças mais complexas e/ou em condição de maior gravidade, o
HIAS mantém um serviço de gerenciamento dos seus leitos, que cuida do
remanejamento de pacientes entre as suas unidades e enfermarias, e providencia
a transferência inter-hospitalar.
Essa transferência dá-se, após criteriosa
avaliação médica, dos enfermos estáveis, com diagnóstico firmado e tratamento
resolutivo em curso, porém passível de ser continuado em hospital pediátrico
geral, de menor grau de especialização. Com isso, é possível desocupar leitos,
aumentando o índice de giro, propiciando a hospitalização de mais crianças que,
de fato, teriam maior benefício se fossem cuidadas no HIAS.
A Dra. Zilda Barroso (nome fictício) é uma
das médicas responsáveis por essa avaliação dos pacientes internados, e, após
examinar uma criança na enfermaria desse hospital, ela concluiu que a mesma
poderia ser transferida para outro hospital infantil, credenciado ao SUS,
localizado na periferia de Fortaleza.
Depois de devolver o prontuário ao Serviço
de Enfermagem, a auditora médica dirige-se à acompanhante do menino:
– Dona Sueli, sua criança está bem e pode
ser transferida para o Hospital Infantil Dr. Aloísio Fernandes Leal – anunciou
a Dra. Zilda.
– Ah! Pra lá ele não vai, não! Eu prefiro
levar meu filho direto pra casa, doutora.
– Infelizmente, não, D. Sueli! Ele faz uso
de antibióticos caros e injetáveis. O tratamento requer acompanhamento médico.
– Mas eu não aceito levar ele pro hospital
que a doutora quer – proclamou a mãe.
– Por favor, me diga a razão dessa sua
recusa. É o melhor para o seu filho.
– Eu sei, doutora. É que lá tem muito roubo.
– Que história é essa, D. Sueli? Nunca houve
denúncia de roubo contra esse hospital.
– Não é dos médicos de lá que eu falei, não,
viu. Eu sei que eles não “roubam”.
– Quem é que “rouba” lá, para a senhora não
querer internar o seu garoto? – Indagou a médica.
– Tá bem! Vou contar. A minha vizinha, a
Suzyane, internou lá a filhinha dela.
– E o que aconteceu? Furtaram os pertences
da Suzyane? Ela foi roubada?
– Foi pior, doutora. Ela ficou como
acompanhante da menina e o marido dela, ia sempre visitar as duas, mas ele só
ia lá porque tava de namoro com outra mãe, a acompanhante de um menino
internado na enfermaria ao lado.
– Qual foi o final dessa paquera?
– Num foi nada bom! O sacana, assim que o
menino da outra teve alta, escafedeu-se e foi morar com a nova “periguete”. Não
voltou mais, nem pra ver a própria filha.
– Você acha que corre risco disso se repetir
com você? – Inquiriu a Dra. Zilda.
– Sim, doutora! Depois, eu já soube de
várias mulheres que perderam os seus companheiros nesse hospital. Lá é uma
ladroagem de maridos, que só vendo; tem sempre umas mulheres descasadas ou mães
solteiras que avançam no que é dos outros.
– Você acredita que isso pode ocorrer com
você, caso leve o seu menino para lá?
– Sim, doutora! O meu marido é bem bonito e
novo. Ele é dez anos mais novo do que eu. Se eu facilitar, as ladronas de
marido pegam, né?
– Está bem! Acho que a senhora tem toda
razão. É melhor não correr esse risco, de perder o esposo. Vou indicar a
transferência do seu menino para o Hospital Infantil Dr. Álvaro Mota.
– Tá ótimo, doutora! Lá não tem roubo de
marido, não. Muito obrigada.
Marcelo Gurgel Carlos
da Silva
Da Sobrames/CE e da Academia Cearense de Médicos Escritores
Fonte:
SILVA, Marcelo Gurgel Carlos da. Medicina, meu humor! Contando causos médicos.
2.ed. Fortaleza: Edição do Autor, 2022. 144p. p.34-36.
*
Republicado In: AMC. Causo médico. Informativo
AMC (Associação Médica Cearense). Setembro de 2022 - Edição n.15, p.15-16
(em pdf).
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