sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

Crônica: “Microfone de ouvido” ... e outros causos

Microfone de ouvido

Chama-se Burituia. Acredito, de vera, que tenha uns dois ou três parafusos a menos. É a tal que simplesmente, aos 45 anos, não consegue pronunciar “acerola amarela”. Provemos o que defendo. Ontem ela esteve no Centro da cidade, setor de instrumentos musicais e acessórios à busca daquele algo que pudesse presentear sua avó, com quem mora desde menina. A velhinha, ruim das ôiças, falou pra neta que precisa urgente “de qualquer catrevage que melhore a minha moquice”.

- Quando vou atender um celular, então, num ‘ôvo’ nadica de nada!

Prestamente Burituia tratou de consegui-lo. E não perguntou ao otorrino, fonoaudiólogo, técnico de som ou outro profissional da área qual modelo enfiar nas “urêa” da avó; de “ouvir falar”, tinha em mente do que se tratava, e se abalançou em direção às lojas especailziadas. Caçou, caçou e caçou o tal produto onde achava mais lógico encontrar e nada, ela que já tanto estivera na Senador Pompeu e na Pedro I atrás de cabo, conector, caixa de som, suporte, autofalante... Pelos balcões onde passava, diga-se, os vendedores faziam era frescar, até vaia deram na coitada da moça. Por quê? Porque o pedido dela era diferente.

- Querido, me veja um MICROFONE DE OUVIDO pra vovó!!!

Ah, essa falta de gosto!

Covid-19, Burituia já pegou “oito vezes e meia” (até hoje não sabemos como se contrai meia doença, mas...). Gosto, sabor nenhum ela mais sente... de cuscuz!!! Sim, a cisma dela é com o cuscuz, e não é a versão “limpo a seco” (massa de milho e sal), não. É a “caprichada”, ou seja, “com coco ralado e fragmentos de queijo coalho em riba”. Estive na casa dela (e da avó Carmosa do microfone de ouvido) e testemunhei o inacreditável.

Cuscuzeira até a tampa da massa amarelinha, com nacos de coco e queijo, fumegando ainda, e ela derrubando uma tigela; colher na mão, desbastava a montanha de cuscuz como quem ouve o melhor de Gonzagão nas ondas da FM Universitária. Cada colherada levada à boca, a contagem: primeira... segunda... terceira... quarta... Cuscuz escoteiro, sem acompanhamento algum - leitinho ou suquinho pra ajudar o bocado a descer. O “bolo salgado e bem condimentado, cozido no vapor e feito com farinha de milho” engolido no osso! Já lá ela ia na 20ª colherada quando ousei perguntar sobre a contagem cadenciada. E ela, deseducada, respondeu:

- Só sinto algum gosto do cuscuz na 41ª pazada. A partir daí volta tudo ao normal!

- E até lá, qual gosto a senhora sente?

- Do milho, do cuscuz e do queijo!

O sobrinho querido dela, João Hamburgo (o “Bugo” dos mais íntimos), tá montado na bufunfa por causa de uma ideia genial de Buritia. Estava “batendo roupa” (é lavando roupa que tem insights maravilhosos) quando o rapaz, capacitado em marketing por um curso online gratuito, perguntou-lhe que nome sugeriria a um negócio que estava pensando em abrir, queria ser único no ramo de papel higiênico.

- Venda exclusiva, somente papel higiênico, é Bugo? – indagou.

- Sim! – respondeu vexado o sobrinho.

- S/A Bugo!

Tender é seus ovos!

Para Burituia, essa de “ano novo tudo novo” é conversa pra boi dormir. Estive na casa dela no exato dia 31 de dezembro, por volta das 22 horas, para desejar-lhe feliz ano, e o que vi foi uma criatura morta de sono a traçar dois ovos cozidos com um caneco d’água. O abrimento de boca era medonho e ela explicando:

- O ano é novo, mas o cardápio é o de sempre!

Fonte: O POVO, de 13/01/2023. Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.

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