sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Crônica: “A besteira é soberana” ... e outros causos

A besteira é soberana

Mirian vivia já impressionada com o dicumê, não apenas o pão, a bolacha, o bolo, as massas, a cerveja... Tudo, a partir de exame que fizera na Reriutaba, assustava. Mania de doença, ou, de todas as doenças relacionadas ao glúten. Para ela, glúten era a praga. Coisas sabidamente sem a substância continham glúten escondido, a exemplo da paçoca e da castanha de caju. "Banana, nem falar! Pitomba (o caroço) é glúten puro".

Das 185 doenças ligadas ao glúten catalogadas, entre alergias, enxaquecas, dores na coluna e ossos, esquizofrenia, infertilidade, doenças autoimunes, acrescesse a curuba crônica, o estalicido seco, o sangue grosso amarronzado e a liseira coadjuvante. Vivia, pois, assustada, tava só um vem-vem. Alimentando-se de água (somente a mineral não continha glúten), jeito foi apelar pra Deus, por meio de reza forte, novena e missas. Começou indo a das 6 da manhã, no Santuário de São Gerardo.

Embora mulher de fé, nada como precaver-se à hora da comunhão. Padre puxa a hóstia da âmbula e diz:

- O Corpo de Cristo!

Em vez de responder "Amém!", Mirian, olhos grelados na "pequena rodela muito fina, feita de pão ázimo, consagrada na missa e oferecida aos fiéis na comunhão", indaga:

- Contém glúten?

Dentadura pública

Pense numa faxineira! Tão competente diarista que faturava por mês o que muito doutor não ganha. Pessoa sempre muito equilibrada. Naquele dia, contudo, o juízo tava curto: marido botara boneco federal, ela mesma acordara com enxaqueca em xis. Ocorre que a responsabilidade lhe chamava às conversas, e ela não podia faltar à labuta, especialmente por ser na casa de dona Terezinha.

Começou pelo banheiro pequeno da patroa. Terezinha, destituída de dentes naturais, usava dentaduras bem trabalhadas, pereciam dentes de mesmo. Descansavam mergulhados em copo inglês, na lateral da pia, a partir das 22 horas, quando a nonagenária senhora se recolhia para ao sono merecido. Espanador vai, espanador vem e, sem querer, Baixinha toca as penas do utensílio de espanar no dito copo e ambas (superior e inferior) despencam, caindo direto na privada. "Ai, meu Deus!!!"

Em operação de resgate super veloz, a diarista pega as dentaduras com mãos impregnadas de água sanitária, lava-as com água e sabão e torna a colocá-las onde descansavam. E já deixa o toalete para dar continuidade aos trabalhos no quarto contíguo. Nessa justa hora, dona Terezinha adentra ao banheiro e solenemente coloca as dentaduras na boca. Vendo a cena, Baixinha tem crise de choro que perdura até hoje. Inda tirou a suja:

- A senhora me ama, madinha?

A bacia quebrada

Todo mundo e seu Raimundo alertavam que Zé Abel, 94 anos, não deveria mais sair de casa sozinho. O filho Abelzinho lembrava que desgraça de velho é "3K" (caganeira, catarro e queda). E que o pai estava nessa condição. De fato aconteceu o pior. Zé levou queda medonha a caminho da padaria e quebrou a bacia. A esposa dona Mary, também velhinha, foi avisada pelo filho Abelzinho:

- Pai acabou de quebrar a bacia andando na rua, mãe!

- E que diabo é que ele fazia com uma bacia na rua a essa hora, menino?

Fonte: O POVO, de 2/12/2022. Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.

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