HONESTIDADE DE JUIZ
Mário de Alencar - "Revista da Academia Brasileira de Letras", n° 7, de 1912
Era Raimundo Correia juiz em Minas-Gerais, quando, ao abrir certos autos, encontrou um envelope com um conto de réis. Chamou o escrivão.
- Foi a parte mesmo quem o deixou, senhor doutor, em sinal de reconhecimento pela rapidez com que teve andamento o inventário. Eu também recebi um conto de réis.
- Bom, - retrucou Raimundo, - se é uma remuneração espontânea, cabe à sua consciência resolver sobre o caso.
E entregando-lhe o envelope que lhe coubera:
- Tome... Devolva o meu...
A CARNE E A ALFACE
Tradição oral
Achava-se Laurindo Rabelo uma tarde à rua do Ouvidor, canto da atual Gonçalves Dias, quando passou uma senhora, um pouco magra, mas bonita, trajando vistoso vestido verde. À passagem da moça, que o poeta conhecia, um sujeito metido a espirituoso, e que se achava ao lado, exclamou:
- Que pena! Tanta alface para tão pouca carne!
- Pois, olhe, eu não acho, - declarou Laurindo, voltando-se para o indivíduo.
E com a sua franqueza habitual:
- O que me parece é que há ali pouco capim para um burro do seu tamanho!
DILÚVIO DE LAMA
Araripe Júnior - "Revista da Academia Brasileira de Letras", n° 39, pág. 252.
Nos fins de 1895, a neurastenia de Raul Pompéia havia se acentuado de modo impressionante. Na tarde de 23 de dezembro, encontrando-se com Araripe Júnior no largo de São Francisco, deixou extravasar todo o seu nojo pela vida e pelos homens.
- Lama! - dizia. - Sinto lama podre até nas conjunções da frase, quando penso.
E logo:
- Capacite-se de uma coisa. No Brasil só há um ato digno para um homem honrado: pegar de um revólver e salpicar com os miolos esta terra sinistra, e pulha, ao mesmo tempo!
No dia seguinte, matava-se, com um tiro no coração.
SAUDADE...
Frei Vicente do Salvador - "História do Brasil", pág. 154
Nas suas cartas para a metrópole, não se cansava Tomé de Sousa de pedir a El-Rei que, por tudo, lhe mandasse um substituto. Sentia-se fatigado de tratar com degredados, e isso em uma terra hostil e árida, onde a vida não compensava o trabalho.
Um dia, porém, ao regressar da visita a uma nau que vinha do Reino, foi o meirinho avisar ao governador que se achava a bordo D. Duarte da Costa, que o vinha substituir. A essa nova, o governador ficou como suspenso.
- Vedes isso, meirinho? disse, ao fim de um momento. Verdade é que eu desejava muito, e me crescia água na boca quando cuidava em ir para Portugal.
E com os olhos úmidos:
- Mas não sei por que é que agora se me seca a boca de tal modo, que quero cuspir e não posso...
GRITO DE CONSCIÊNCIA
Moreira Guimarães - "O jornal", de 5 de dezembro.
Tanto Benjamim Constant como Deodoro deviam, conforme é sabido, grandes favores pessoais ao imperador. Ordenado, porém, o embarque da família imperial, procuravam atordoar-se com as responsabilidades que acabavam de assumir, esquecendo, assim, a ingratidão praticada. Pela manhã de 17, estava Benjamim no seu gabinete no ministério da Guerra, quando lhe foram comunicar que o monarca já se achava a bordo. O apóstolo deteve-se um instante, mudo. E num suspiro:
- Está cumprido o mais doloroso dos nossos deveres!...
"PÉSES"
Moreira de Azevedo - "Mosaico Brasileiro", pág. 126
Conhecia o cônego Januário da Cunha Barbosa, fundador do Instituto Histórico, um indivíduo cujos pés eram excessivamente grandes. Ao referir-se às plantas desse sujeito, dizia sempre "péses", em vez de pés.
Estranhando o caso, um amigo perguntou-lhe a razão.
- É - respondeu o cônego - porque assim se torna mais expressivo.
E num gesto:
- A palavra fica maior...
A MÃE DE ANTÔNIO
Paulo Barreto - Discurso de recepção na Academia Brasileira de Letras
Guimarães Passos havia tido uma namorada de meninice, cuja mão jamais disputou, e que acabou casando com outro, com o qual teve um filho, a quem deu o nome de Antônio. O poeta é que nunca esqueceu a noiva perdida. Às vezes, alta noite, nas rodas de boêmia, entristecia de repente, levantando-se da mesa.
- Aonde vais? - indagavam os outros.
E ele, soturno:
- Vou pensar na mãe do Antônio.
E metia-se em casa, até de manhã.
ESPIGA NO CAFEZAL
Coelho Neto - Conferência da Biblioteca Nacional, agosto de 1918
Desconfiado já da perfídia doméstica, da qual lhe resultou, afinal, a morte trágica, foi Euclides da Cunha, já íntimo amigo de Coelho Neto, procurá-lo em sua residência, pedindo-lhe que o fosse visitar em casa, onde a esposa de achava acamada pelo nascimento do último filho. Coelho Neto foi, com a senhora. No dia seguinte, à noite, Euclides voltou ao lar do amigo. Levava a tempestade na alma.
- Coelho Neto, - pediu, - que achas do meu filho?
E com os olhos em fogo:
- Não te parece uma espiga de milho num cafezal?
Fonte: Humberto de Campos. O Brasil Anedótico (1927)
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