Há mais de dois anos, fui contatado pelo ilustre colega Walter Miranda, que expressou o interesse de seus colegas da Turma Samuel Pessoa, a de 1980.2, em promover a edição de um livro, na celebração dos trinta anos de formatura em Medicina, e, para tanto, esperava contar com a minha participação, como apresentador da obra.
A proposta encontrou, em mim, pronta acolhida, porquanto entendi ser isso um desdobramento de uma publicação similar, a da Turma Dr. José Carlos Ribeiro, que se prestou a ser vanguarda, para experiências da mesma natureza. Também por manter um relacionamento estreito com pessoas egressas dessa Turma de Medicina da UFC - 1980.2, muito caras ao meu viver social, o que inclui a minha consorte, Fátima Bastos, que, aliás, poderia ter tido mais sorte na escolha do marido, não fosse eu um predestinado a ser a outra banda da sua laranja.
Luiz Moura, no ano em curso, em nome dos seus colegas da Comissão Organizadora das festividades dos seis lustros, voltou a contatar-me, desta feita com duas missões: uma factível, ratificando o convite formulado pelo Walter; a segunda, dita impossível, para ele, de levar aos devidos festejos, a minha cara-metade, que, por sinal, nunca me foi uma metade cara, mercê da sua dedicação à família e ao labor profissional.
De fato, a primeira tarefa diria ser não apenas exeqüível, como assaz prazerosa, mormente quando me chegou às mãos a primeira versão dos escritos, e pude, então, inteirar-me do teor do material, já avidamente aguardado.
A capa da obra resgata o quadro “Retirantes”, pintado por Cândido Portinari, em Petrópolis, em 1944, o “leit motiv” do convite de formatura desses colegas, que a ela conferiram tons ainda mais sombrios que as suas cores originais: terra, cinza, azul, preto, branco, ocre, verde, rosa, amarelo e vermelho, aplicadas em largas e fortes pinceladas, por Portinari, indicando o forte engajamento político dos, à época, concludentes de Medicina da UFC.
O compromisso político de jovens idealistas e, quem sabe, libertários, de uma turma de médicos, que teve solenidade de colação de grau retardada, porque ousou desencadear uma greve na vigência da agonizante ditadura militar brasileira, está presente na epígrafe, da lavra do poeta maranhense Ferreira Gullar, igualmente extraída do convite, e aqui replicada: “Conto os que morrem de bouba, de tifo, de verminose; conto os que morrem de crupe, de câncer e esquistossomose, mas todos estes defuntos morrem de fato é de fome, quer a chamemos de febre ou de qualquer outro nome”.
A partir do nome da turma, percebe-se o seu então engajamento político, ao render justa homenagem a Samuel Barnsley Pessoa, professor titular da Faculdade de Medicina da USP e considerado um dos mais eminentes cientistas da Parasitologia Sul-Americana, homem devotado às questões médico-sociais. Samuel Pessoa foi um grande amigo do Prof. Joaquim Eduardo de Alencar, professor titular de Parasitologia da UFC, uma amizade selada na dedicação à pesquisa em Saúde Pública, e no alinhamento ideológico, motivo de intensa perseguição, sofrida por ambos, do regime castrense, vigente no Brasil pós-1964.
Coordenam a edição de “Arte Mede Sina: trint’anos de Medicina & Arte” os nobilíssimos iátricos Luiz Moura, Nasser Aguiar e Walter Miranda. Os primeiro e terceiro citados são ativos participantes da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores - Regional do Ceará, já notórios seguidores do bom uso do vernáculo, cumprem a sina de cultivar a pena em seus escritos, enquanto, emparedado entre eles, figura um habilidoso mastologista, cujas mãos se prestam a conservar saudáveis e a esculpir os pomos da augusta beleza feminina, versejados por Adolpho Araújo, como: “... nervosos seios, / cheios de seiva de uberdade ricos, / ricos de pólen, de opulência cheios...”. Nasser, por certo, sendo ele um artista do bisturi, concorreu para realçar o componente de arte do livro. Não se mede, todavia, em poucas palavras, o inaudito esforço desses três mosqueteiros em reunir, nas páginas deste livro, mais de trinta anos de convivência, visto somarem-se os seis anos de curso aos trinta do percurso profissional, no belo exercitar da arte médica.
O livro é versátil, tanto pelo número de escribas congregados, por suas biografias e seus escritos, como pela dinâmica literária exposta, envolta no emaranhado da saudade, que traz à tona as reminiscências dos tempos acadêmicos, nos causos contados e nas narrativas de um tempo de suas vidas. Talvez tenha sido essa uma fase em que foram muito felizes, embora não soubessem, apesar dos estresses decorrentes da confusa matrícula por disciplinas, das cobranças docentes, sob a forma de provas e trabalhos adicionais, e das incertezas do futuro a eles reservado.
De tudo, porém, o mais importante foi a amizade duradoura que esses colegas construíram, os quais, agora, mais amadurecidos, juntam-se a fim de comemorar o “Jubileu de Pérolas” da formatura em Medicina.
Alfim, dou por encerrada a primeira missão, a mim designada, esperando que o desfecho tenha saído a contento de muitos; quanto à segunda, não tenho, no entanto, qualquer governabilidade. As mulheres estão no poder, incluindo a mandatária-mor do País, e só a elas compete pôr abaixo a falsa concepção de que têm cabelos longos e ideias curtas.
A questão de gênero, pelo verificado neste livro, não existe nessa Turma de Médicos da UFC, que celebra os seus trinta anos de formados. Todos são iguais na “Arte Mede Sina”.
Marcelo Gurgel Carlos da Silva
Da Academia Cearense de Medicina
Da Academia Cearense de Medicina
Nenhum comentário:
Postar um comentário