sábado, 26 de fevereiro de 2011

O BRASIL ANEDÓTICO XXV

A TOLERÂNCIA DE D. DUARTE
Frei Vicente de Salvado - "História do Brasil", pág. 163.D. Duarte da Costa, que sucedera a Tomé de Sonsa no governo geral do Brasil, costumava rondar alta noite o povoado que era então a Bahia. Certa vez, percorria assim uma das vielas escuras, quando, ouvindo vozes no interior de uma casa fechada e em que havia luz, se chegou, cauteloso, a ouvir o que diziam. E notando que o assunto era a sua própria pessoa, a quem todos atacavam impiedosamente, soprou, baixo, para dentro, por uma fresta da tábua:
- Falem baixo, que os ouve o governador...
E deslizou, de novo, na sombra.

CONFISSÃO DE SUBORNO
Joaquim Nabuco - "Um estadista do Império", vol. I, pág. 208.
A sessão da Câmara de 26 de junho de 1855 foi a mais interessante, talvez, de toda a legislatura, graças a um discurso de Justiniano José da Rocha, o maior jornalista do Segundo Império.
Acusado de deserção pelo marquês do Paraná, que o elegera, Justiniano sobe imediatamente à tribuna, e faz um discurso dos mais ingênuos, singelos, comoventes e, ao mesmo tempo, divertidos, entre os quantos se encontram nos Anais. Conta as suas origens, o dinheiro que os ministros lhe davam, e, no meio de numerosos episódios pitorescos, este, reproduzido textualmente:
"E já que falo nisto, sr. presidente, vá uma pequena revelação. Distribuíam-se africanos, e estava eu conversando com o ministro que os distribuía, e S. Excia. me disse: "Então, sr. Rocha, não quer algum africano?" "Um africano me fazia conta", respondi-lhe. "Então, por que o não pede?" "Se V. Excia. quer, dê-me um para mim e um para cada um dos meus colegas". (Risadas). O ministro chamou imediatamente o oficial de gabinete e disse-lhe:
"Lance na lista um africano para o Dr. Rocha, um para o Dr. Fulano, e outro para o Dr. Fulano".

O RAMALHETE
Contada pelo Dr. Leví Carneiro.Acabava Nilo Peçanha, então chefe incontrastável da política fluminense, de formar a Assembléia Estadual, compondo-a de elementos amorfos e de, apenas, duas os três figuras de valor, quando um amigo lhe observou, intrigado:
- Eu não sei como é que você, um homem inteligente, organiza uma Assembléia daquelas. Apenas dois ou três rapazes de talento, para vinte nulidades, quando há tanta gente aproveitável no Estado.
Nilo Peçanha fez dançar no dedo o seu pince-nez de aros de tartaruga, pendente de uma grossa fita negra, e sorriu:
- Ora, filho!... Você já viu esses ramalhetes que as meninas oferecem à professora nos dias de festa? Pois, as Assembléias devem ser assim.
E com perversidade:
- Duas ou três rosas bonitas, o resto manjericão...

ARARIBÓIA E O PROTOCOLO
Frei Vicente de Salvador - "História do Brasil", pág. 227.
Nomeado governador das capitanias do sul, havia chegado o Dr. Antônio Salema ao Rio de Janeiro quando o foram visitar todas as autoridades e pessoas importantes. Entre estas, estava o chefe indígena Martim Afonso de Sousa, o Araribóia, o qual, ao assentar-se na presença do recém-chegado, foi logo pondo uma perna sobre a outra, conforme era seu costume. O Dr. Salema estranhou aquela liberdade, e mandou que o intérprete o chamasse à ordem, dizendo-lhe que aquilo não era posição para tomar-se diante do governador, que era representante d' El-Rei.
Martim Afonso pôs-se de pé.
- Se tu souberas - retrucou com arrogância, os olhos fuzilando de cólera, - se tu souberas quão cansadas tenho as pernas das guerras em que servi a El-Rei, não estranharás dar-lhes agora este pequeno descanso; mas, já que me achas pouco cortesão, eu me vou para a minha aldeia, onde não curamos destas pequenas coisas, e não tornarei mais à tua corte!

Fonte: Humberto de Campos. O Brasil Anedótico (1927).

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