Médico-Psicoterapeuta
Foi a impressão que tive quando li a
entrevista das páginas amarelas, na revista Veja (14.10.09), intitulada
‘Caixa-Preta na Cirurgia’, com o cirurgião paulista Dr. Ben-Hur Ferraz Neto.
Apesar de minha longa carreira profissional
como pediatra e atualmente como psicoterapeuta, o estresse diuturno da/na
atividade cirúrgica é de estremecer. O entrevistado trabalha em um dos
principais hospitais brasileiros. Concordo quando afirma que, por mais que a
tecnologia evolua, jamais será capaz de controlar todas as inúmeras variáveis
envolvidas num ato cirúrgico.
Na verdade, inexiste ação humana capaz de
garantir em 100% o êxito ou a segurança, e muito menos máquinas competentes
para reproduzir a vida do paciente em tempo real, com a pulsação, o sangue
correndo pelas veias do paciente e o movimento dos órgãos, isso sem falar da equipe
cirúrgica.
Também estou de acordo com o entrevistado
quanto à necessidade de o médico-cirurgião possuir uma personalidade resoluta,
o que lhe permita tomar decisões instantâneas e criativas para salvar a vida do
paciente, além dos atributos de conhecimento, treinamento etc. O que não
abarquei foi a ênfase dada pelo entrevistado quanto ao valor da existência de
uma caixa preta na sala de cirurgia!
Na aviação, tudo bem. Em geral, vários fatores
estão envolvidos na queda de um avião, como erro humano, equipamento, condições
atmosféricas etc. e os registros servem à profilaxia da repetição de acidentes
semelhantes, apesar de não ressuscitar os mortos.
Verdades
Transitórias
Já imaginou, leitor amigo, se o piloto
colocasse em votação entre os comissários de bordo e os passageiros, se deve ou
não realizar um pouso de emergência? Assim como o comandante de uma aeronave,
um cirurgião trabalha com auxiliares de diferentes graus de conhecimento. Raros
são os atos cirúrgicos em que não se necessite de ajudantes, todos sujeitos às
mesmas condições de humanos. Ou será que o cirurgião, por ser cirurgião, não
teria a mesma condição dos demais mortais? O cirurgião seria algum deus?
Como psicoterapeuta, tenho a impressão de que
todos nós temos lá o nosso momento emocional capaz de influenciar a conduta
profissional. Por outro lado, já imaginaram a sensação de um cirurgião — ao
levantar os olhos do campo operatório e deparar com uma câmera ou outra
geringonça com o letreiro: ‘Sorria, você está sendo filmado’? Isso não tornaria o trabalho ainda mais
estressante? Como reagiria um cirurgião sabendo-se vigiado por um Big Brother?
Em lugar da caixa preta, não faríamos melhor
se tratássemos o ‘narcisismo doentio que pode acometer um cirurgião ou qualquer
outra pessoa’? Quando um familiar ou amigo meu tem de se submeter a uma
cirurgia, prefiro não entrar na sala para que a equipe cirúrgica fique mais à
vontade.
Esta entrevista terminou por lembrar-me a
letra de um antigo samba do Billy Blanco (1924):
‘(…) Pra que
tanta pose doutor? Pra que este orgulho…? O infarto lhe pega, doutor, e acaba
essa banca.’
Graças a Deus, quem me socorreu, na hora do
infarto, foi a ponte de safena. Gostaria de lembrar, para concluir, a todos
(médicos e leigos): a medicina é a ciência das verdades transitórias…!
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco.
Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE)
e da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES). Consultante Honorário da
Universidade de Oxford (Grã-Bretanha).
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