segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

O BRASIL ANEDÓTICO XXII

ALIMENTO DE POETAS
Domingos Barbosa - "Silhuetas", pág. 186.O poeta maranhense Souzandrade, republicano da velha guarda, que redigiu em Nova York O Globo, com José Carlos Rodrigues, recolheu-se depois de 15 de novembro, à companhia dos livros, na sua quinta de São Luiz, cercada de um muro enorme, que parecia de fortaleza. Sem recursos, começou a vender o muro, aos metros, para material de construções.
Filósofo e simples, não maldizia entretanto da vida.
- Como está o senhor? - saudavam-no os íntimos.
- Eu, menino?
E com um sorriso resignado:
- Comendo pedras!...

A PROFISSÃO NOBRE
Magalhães de Azeredo - "D. Pedro II", pág. 87.Um dia, em Cannes, conversava o imperador Pedro II com alguns brasileiros, quando declarou, gravemente:
- Se eu não fosse imperador, desejaria ser professor. Não conheço missão maior e mais nobre, que a de dirigir as inteligências juvenis e preparar os homens do futuro!

TIRANIA DOMÉSTICA
Contado por Afrânio Peixoto
Gonçalves Dias foi casado, segundo se depreende da sua correspondência e do depoimento dos contemporâneos, com uma senhora de grandes virtudes mas ciumentíssima, e que exercia sobre ele grande ascendência. Certa vez, estando enfermo, de cama, conversava com um amigo quando ouviu os passos da senhora, que se aproximava. Rápido, o poeta calou-se, mergulhou a cabeça no cobertor, aquietando-se, intimidado.
Sentindo, porém, que a esposa se retirava, emergiu, de novo, para a conversa.
- É um anjo esta minha mulher, - declarou: - mas...
E abanando-se com a mão:
- Abafa-me demais!...

O SUBSÍDIO
Joaquim Nabuco - "Um estadista do Império", vol. I, pág. 85
Em 1843, a situação do Tesouro Imperial era das mais delicadas. Identificado com a sorte do país, Pedro II resolve abrir mão da quarta parte da sua dotação, para as urgências do Estado.
Levada à Câmara a notícia do fato,
Peixoto de Brito, palaciano assíduo, ergue vivas ao Imperador e declara seguir-lhe o exemplo abrindo mão da quarta parte do seu subsídio, insinuando à Câmara que esta devia fazer o mesmo.
A lembrança é recebida, porém, com reservas.
- Talvez o sr. deputado não seja casado, - interrompeu Carneiro da Cunha.
E fazendo rir a Câmara:
- Se fosse, julgo que não poderia logo, sem o consentimento de sua mulher, fazer esta cessão, porque a ela pertence a metade.

UM HOMEM ANTIGO
Contada pelo Comandante Albino Maia.Érico Coelho morreu quase octogenário, tendo conservado, porém, até às proximidades da morte o mesmo garbo de figura, e um porte marcial de mosqueteiro. Por isso mesmo, não gostava que lhe falassem em idade, achando que os indivíduos têm, não a idade verdadeira, mas aquela que parecem ter.
Certo dia, uma senhorita estouvada resolveu tocar-lhe, em uma festa, nesse ponto delicado.
- Senador, - indagou, - que idade, mesmo, o senhor tem?
- Ah minha filha, - retrucou o republicano fluminense, detendo a sua irritação, - eu não sei ao certo a idade que tenho. Mas já devo ser muito velho.
E com tremores na barba:
- Imagine que eu sou de um tempo em que era falta de educação perguntar-se a idade dos outros!...

VIVER DO "PASSADO"
Humberto de Campos - Discurso na Academia Brasileira de Letras, 8 de maio de 1920.Nos últimos dias do século passado era famoso no Rio, pelos seus processos de adquirir dinheiro, um boêmio cuja habilidade se tornou proverbial. A sua fórmula, para promover a elasticidade das bolsas, era cômoda e comovente. Chegava-se a um amigo, e lastimava-se:
- Veja só! Eu já tive uma fortuna regular, com os meus prédios, as minhas apólices, a minha caderneta de Banco... E hoje sou isto!...
E após uma pausa:
- Você, que me viu tão feliz, não poderá me "passar" uma de cinco mil réis?
Comentando esse modo de vida, Emílio de Menezes explicava:
- Coitado do Rocha! O que ele diz é verdade. Ele teve posição, casa, fortuna. Hoje, vive do "passado"!...

Fonte: Humberto de Campos. O Brasil Anedótico (1927).

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