quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

PATRIMÔNIO HISTÓRICO DE FORTALEZA DEFLORADO


A Chácara Flora era um símbolo do bucolismo da Fortaleza antiga (Foto: Mauri Melo, de O Povo).


O que restou da Chácara Flora após poucas horas da ação destruidora (Foto: Mauri Melo, de O Povo).

O Povo, em sua última edição do ano recém-findo (31/12/2011), trouxe à estampa a perpetração de uma abominável lesão ao patrimônio histórico de Fortaleza praticado por uma construtora cearense.
Trata-se da demolição da Chácara Flora, um edificação histórica, datada de 1898, localizada à rua Marechal Deodoro n. 818, ao lado do Centro de Humanidades da Universidade Federal do Ceará.
Na Fortaleza da primeira metade do século XX, a Marechal Deodoro era conhecida, popularmente, por rua da Cachorra Magra, e se caracterizava por concentrar várias chácaras, das quais a que foi posta à baixo era o bastião de um tempo de outrora, revestido de puro bucolismo, à conta das tantas árvores contidas em seu terreno.
A área em foco estava sob processo de tombamento na Coordenação de Patrimônio Histórico-Cultural, da Secretaria da Cultura de Fortaleza, desde 25 de julho do ano pretérito, em atendimento à demanda apresentada pelo ex-dirigente do IPHAN no Ceará, o arquiteto e professor da UFC Romeu Duarte, no intuito de preservar a construção. Essa solicitação, mesmo com o tombamento inconcluso, já produzia efeitos suspensivos, que levaram à notificação da construtora e proprietária do imóvel, em agosto passado, dando ciência da proibição de demolir a chácara até que as pesquisas e avaliações de representatividade histórica do bem fossem encerradas.
Em que pese a medida cautelar aplicada ao caso, a empresa de construção civil, ignorando a disposição legal, pareceu aproveitar os estertores agônicos do final do ano, quando a máquina pública municipal adormecia, absorta em suas preocupações voltadas para o Réveillon, para cometer um estupro social. Tratores da construtora, talvez movida pelo intento de criar um fato consumado, ao cabo de poucas horas, defloraram, impiedosamente, o terreno, destruindo a centenária habitação e suas árvores seculares.
Nos países desenvolvidos, a consciência dos direitos difusos do cidadão suscitaria a pronta reação da coletividade, mobilizando as pessoas e acionando os poderes públicos a fim de coibir os danos de uma intervenção anômala.
Espera-se que a Procuradoria Geral do Município, que já autuou a empresa e lavrou o auto de embargo, julgue a pendência, com imparcialidade e isenção, à luz do direito, e adote as sanções cabíveis, até para produzir efeitos inibitórios de intervenções similares, nutridas pela sanha de um capitalismo voraz e antropofágico.
Marcelo Gurgel Carlos da Silva
Professor titular da UECE
* Publicado In: O Povo, de 3/01/2012. Opinião. p.7.

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