Epitácio Macário (*)
"A proposta do senhor Cid
Gomes teria impactos dramáticos sobre toda a universidade, com prejuízos
inauditos"
O seminário “O papel da Uece no
desenvolvimento do Estado do Ceará”, realizado no Centro de Eventos nos dias 17
e 18 de fevereiro, foi parte do acordo para suspensão da greve dos três
segmentos das três universidades estaduais cearenses que se desenrolou no
período de novembro de 2013 a
janeiro de 2014. Como acordado, o governador do Estado, Cid Ferreira Gomes, participou
de três das cinco mesas temáticas do referido seminário.
Afora a particular maneira de
desdenhar dos esforços de professores, servidores administrativos, estudantes e
gestores da Uece, o governador expressou uma visão acerca da universidade que pode
ser caracterizada a partir de sua proposta sobre a repartição do tempo
dedicado, pelos docentes, ao ensino, à pesquisa, à extensão e à gestão.
Cid Gomes propôs um cálculo
linear: 60% de horas para o ensino e os restantes 40% para pesquisa, extensão e
gestão. As atividades de ensino seriam divididas assim: 2 horas para aula e 1
hora para planejamento. Nesses termos, um professor com regime de trabalho de
40 horas semanais teria a seguinte distribuição de seu tempo: 16 horas em aula
(4 disciplinas de 4 créditos) mais 8 horas de planejamento e as demais 16 horas
poderiam ser dedicadas à pesquisa, à extensão e à gestão.
Se implementada, a proposta
terá três impactos imediatos: intensificação do trabalho docente pela redução
do tempo de preparação de aulas; drástica retração das atividades de pesquisa,
extensão e gestão a cargo de docentes; e, óbvio, diminuição da demanda de
concurso para professor nas universidades estaduais.
Em perspectiva, todavia, a
proposta do senhor Cid Gomes teria impactos dramáticos sobre toda a
universidade, com prejuízos inauditos para os ainda frágeis pilares da produção
de novos conhecimentos (por meio da pesquisa) e da interação com a comunidade
nas atividades extensionistas. Ademais, conjugar o aumento do tempo de ensino
com a diminuição de 50% do tempo de preparo de materiais pedagógicos,
planejamento de aulas e correção de avaliações só pode resultar em prejuízo na
qualidade do próprio ensino. É a velha regra taylorista em operação: a
racionalização de tempo em detrimento da qualidade.
A vontade do governante, nesse
aspecto, contrasta com sólidos procedimentos sedimentados na cultura acadêmica
brasileira, inclusive nas melhores universidades privadas. E, ademais,
confronta o princípio da indissociabilidade do ensino, da pesquisa e da
extensão cravado na Constituição Federal e na Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional.
Que não se busque o telos de
tal proposição em concepções profundas de universidade, pois disso Cid Gomes
nada sabe. O brilho ofuscante da ideia irradia das planilhas eletrônicas,
bisnetas dos velhos e empoeirados livros contábeis, com finalidade cristalina:
resolver a escandalosa carência de professores sem realizar concurso. Que não
se cumpra o dito! Que as estaduais sobrevivam!
(*) Professor
de Economia Política na Uece
Fonte: O Povo, Opinião, de 17/3/14. p.9.
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