Pedro Henrique Saraiva Leão (*)
O homem começou a escrever em
rolos de peles de animais, ou papiros (papel pergaminho, vegetal, da planta
“Cyperus papyrus”, às margens do Nilo, famosa já há 40 anos a.C.). Para serem
lidos, estes rolos (ou “volumina”) precisavam ser desenrolados, ao contrário
dos que viriam 4.300 anos após, códices, livros com páginas para folhear.
Nesses, a escrita já era feita com tipos móveis, criados pelos chineses. Em
torno de 1140 um jovem gravador, inspirando-se nas impressões deixadas na
estrada pela mula que cavalgava, criou a imprensa, e a seguir todos os seus
acessórios vigentes até o século XX. Chamava-se Johanes Gensfleish zur Laden
zum Gutenberg, alemão de Mainz.
Atualmente, o propalado fim do
livro tradicional lembra aquela “crônica de uma morte anunciada” (1961), título
de romance de Gabriel José Garcia Márquez (1917), colombiano de Aracataca. Foi
figura central do chamado “realismo mágico” latino americano, e logrou o prêmio
Nobel de Literatura em 1982. Há 15 anos as novas tecnologias inauguraram o
“Kindle”, livro digital eletrônico, o “e-book”. Seria o óbito do livro em
papel, e das livrarias. Segundo o cientista Ferris Jobr na revista “Scientic
American” de dezembro último, nossos circuitos cerebrais não estão adaptados à
leitura de textos eletrônicos, pois exigem maior e cansativa concentração do
leitor. O próprio Bill Gates, criador da Microsoft confessou preferir ler
matéria impressa às telas do computador, dos ”laptops” e “tablets”, máxime
quando além de cinco páginas.
Em 2003, na Universidade
Nacional Autônoma do México, 80% de 687 alunos preferiram estudar em livros
tradicionais. Fui assistente do professor Newton Theófilo Gonçalves, no
Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do
Ceará. Aliás, tive a honra de sê-lo. Sobre ter sido notório cirurgião, doutor
Newton era um verdadeiro “scholar”, pessoa erudita (do grego pelo latim
“schola” = escola). Homem lido e corrido, versado em línguas, bibliófilo, e
também do grupo dos “bibliobibuli” (!), isto é, incansáveis, insaciáveis
leitores.
Emprestando-lhe, eventualmente
um livro, recebia-o de volta enriquecido por relevantes anotações suas, à
lápis, nas margens e nos rodapés. Era assim quase um outro livro. Tal é
impossível nos e-livros, que também ignoram os aspectos organolépticos (que
atuam sobre os sentidos), sensoriais da leitura em livros de papel. Só neste,
podemos aspirar o perfume da mulher amada, entre as páginas, ou recordá-la nas
pétalas de rosa ali adormecidas. “Hélas”! Hoje nos EUA, eles representam 20%.
Ainda bem que em 2017, de cada
10 livros vendidos, apenas 2 serão eletrônicos. Assim, como a TV não matou o
cinema, o livro não deve morrer. “Demorar-se neste assunto seria aborrecer os
leitores. A primeira condição de quem escreve é não aborrecer”, como está no
volume II, 10 de outubro, 1864 das “Crônicas” de Machado de Assis.
(*) Médico, ex presidente e
atual secretário geral da Academia Cearense de Letras.
Fonte: O Povo,
Opinião, de 5/3/2014. p.5.
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