sexta-feira, 14 de outubro de 2016

TRISTEZA POLÍTICA


Por José Jackson Coelho Sampaio (*)

Quem fez de 15 a 25 anos, entre 1964 e 1968, terá hoje, se vivo, entre 55 e 65 anos. É minha geração: presenciou a instalação da ditadura militar, com as tropas de Minas abatendo-se sobre o Rio e o aprofundamento cruel do processo, com mortos, desaparecidos, torturados, banimento dos partidos políticos e dos movimentos sociais, sindicais e estudantis.
Uns morreram na luta, outros sobreviveram. Destes, uns morreram pelos ardis da finitude humana, outros sobreviveram de novo. Parafraseando Drummond de Andrade, no poema “Declaração em Juízo”, sou um destes últimos, não roguei aos altos poderes nem matei ninguém, deixei-me ficar, sem segundas intenções, e agora como dói.
Para isso resistimos às inúmeras reuniões movidas a fome e café frio, aos interrogatórios destruidores da subjetividade, à experiência de vida secreta até para quem se amava, ao estoicismo de não ceder às seduções do poder e do dinheiro, ao medo da ilegalidade? Analisando o passado, não mudaria nada no script de minha vida: houve competência para o convívio com o contraditório, pragmatismo para a sobrevivência e rigor ético para a capacidade digna de continuar acionando mudanças.
No entanto, é impossível não se perguntar, sobretudo os que sofreram na carne a tortura: foi para chegarmos a esta gelatinosa podridão do presente que lutamos tanto? Os movimentos sociais precisam assumir a defesa dos direitos conquistados. As forças da liberdade e da igualdade precisam realizar profunda autocrítica. Os defensores da democracia precisam recuperar potência. O pessimismo teórico, expresso acadêmica e existencialmente, precisa arregimentar forças de onde não se sabe para o otimismo da prática.
Mas, como também é intolerável deixar como estão os absurdos jurídicos, a mediocridade midiática, o retrocesso democrático, a perversa distribuição de riqueza e de poder, em meio à confusão momentânea, impõe-se a construção de novos modelos de emancipação humana. Embora, em silêncio, também se chore.
(*) Professor titular em saúde pública e reitor da Uece.
Publicado. In: O Povo, Opinião, de 30/8/16. p.10.

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