sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

O BRASIL ANEDÓTICO X

A VENDA DO FILHO
Cândido Freire - "Rev. do Brasil", n° 60, de 1920
A 10 de novembro de 1840 penetravam a bordo do patacho Saraiva, ancorado a pouca distância do cais, na Baia, um pretinho de dez anos, e que seria mais tarde o poeta e abolicionista Luiz Gama, o pai deste, homem branco, e jogador, que o tivera de uma preta-mina, e o dono de uma casa de tavolagem, de nome Quintela.
Enquanto o menino se distraía com os marinheiros, os dois entram em entendimento com o capitão, e retomam o bote que os trouxera. Ao vê-los partir, o negrinho corre, chega à escada, e grita:
- Meu pai? meu pai? não me leva?
- Eu volto já, para te levar, - informou o miserável.
E o menino, compreendendo tudo, num ímpeto de dor e de revolta:
- Meu pai, o senhor me vendeu !...
E era verdade. Foi assim, vendido, que Luiz Gama veio para o Rio, e foi, escravo, do Rio para São Paulo.

VIL, ELA
Moreira de Azevedo - "Mosaico Brasileiro", pág. 129
José Vilela Barbosa, que foi, depois, marquês de Paranaguá e um dos signatários da Constituição do Império, era um dos homens de mais espírito do seu tempo, no Brasil. Os seus epigramas tiveram fama e, não menos, as suas respostas galantes ou atrevidas.
Palestrava ele, no Paço, com uma senhora, quando esta, irritando-se, redargüiu ferina:
- V. Excia. sempre é um homem que tem um nome que começa por "vil"!
- Vil não! - protestou Paranaguá.
E emendando:
- "Vil, ela"!

"O PAIOL DA PÓLVORA"
Salvador de Mendonça, n'"O Imparcial", 1913
O Diário Mercantil de Francisco Otaviano, tinha como caixa e administrador o velho César, septuagenário que possuía uma grande prática de negócios. Quando se tratava da parte comercial da folha, Otaviano mandava:
- Isso é lá embaixo, com o César; desça ao "paiol da pólvora".
- Isto é o paiol mesmo, - confirmava o velho César.
E acentuava:
- Sem isto não se faz fogo lá em cima!

ORGULHO CONTRA BRAVURA
Serzedelo Correia - "Páginas do Passado", pág. 24
Transmitida a Deodoro, por Floriano. na manhã de 15 de novembro, a notícia de que o Visconde de Ouro-Preto lhe queria falar, o velho soldado subiu e, ao penetrar no gabinete em que se achava reunido o ministério no quartel-general, foi inevitável o choque.
- Senhor general, - declarou Ouro-Preto, - diante da força e do seu ato de violência, impossibilitado eu de combatê-lo, entrego à sua guarda as instituições e o governo!
- Sim, respondeu Deodoro; - diante da força e da violência provocadas pelos governos que nunca souberam tratar o soldado. Se VV. Excias. soubessem o que é ser soldado, se VV. Excias. sofressem com cinco anos de campanha, o fogo, as intempéries e a fome, e como eu, oito dias seguidos, só comessem milho cozido, haviam de compreender as amarguras da alma do soldado, e tratá-lo de outro modo!
- Por maiores que sejam as amarguras e agonias do soldado, - retorquiu o Visconde, - não podem ser iguais às minhas, ouvindo nesta hora V. Excia.
Deodoro perdeu a calma.
- Pois V. Excia. está preso! bradou.
Floriano intervém, porém:
- Não, Manuel; isto não é do trato!
E Deodoro de novo:
- Podem o ministério e V. Excia. se retirarem para as suas casas.

PATRULHA POLÍTICA
J. M. de Macedo - "Ano Biográfico", vol. 1, pág. 82
Ângelo Moniz da Silva Ferraz, que morreu em Petrópolis em 1868, dois dias depois de lhe ser conferido o título de Barão de Uruguaiana, foi, como deputado e senador, um dos oradores mais vigorosos do seu tempo.
Eleito pela Baía em 1845; dirigia ele uma oposição de três ou quatro deputados, quando, num discurso, exclamou:
- Eu, e o meu partido...
- V. Excia. não comanda um partido, aparteou um deputado governista. - V. Excia. chefia, apenas, uma patrulha!
A frase ganhou curso, ficando Ferraz, até a sua adesão ao partido liberal, com o apelido de "chefe de patrulha".
AS DERROTAS DE MARTINHO DE CAMPOS
Alfredo Pujol - Discurso na Academia Brasileira de Letras
Era Lafayette ministro da Justiça, no gabinete Sinimbú, quando, atacado, em virtude de um dos seus atos, subiu à tribuna para defender o governo e a sua pessoa. Chefiava o movimento contra ele o velho Martinho de Campos, e Lafayette foi impiedoso:
- Pelo que me diz respeito, - concluiu, - estou perfeitamente tranqüilo, vendo o nobre deputado no comando desta campanha. Há trinta anos S. Excia. comanda batalhas políticas, e as tem perdido todas!

FILHOS E SOBRINHOS
Ernesto Sena - "Deodoro", pág. 159
Deodoro, conforme se sabe, morreu sem descendência. Muito ligado, porém, à família, tratava como seus os filhos dos seus irmãos, os quais interferiam na sua vida com certa liberdade, ajudando-o em muitas coisas mas, também, como era natural, causando-lhe aborrecimentos. E sempre que um destes lhe vinha, era fatal a sua frase:
- Qual! Quando Deus não nos dá filhos, o Diabo nos dá sobrinhos!...
AS ELEIÇÕES
Magalhães de Azevedo - "D. Pedro", pág. 49.
Nas palestras com os seus ministros, costumava dizer D. Pedro II, em 1870:
- As eleições, como elas se fazem no Brasil, são a origem de todos os nossos males políticos.
À margem de um opúsculo de Joaquim Nabuco, O erro do Imperador, escrevia o monarca em 1886, confirmando essas idéias:
"Não é o vestido que tornará vestal a Messalina, porém, sim, a educação do povo e, portanto, a do governo. Parece-me que devo conhecer essa chaga, pois a observo, sem ser mero expectante, há quarenta e tantos anos".

A GALINHA D'ANGOLA
Afonso Celso - Discurso na Academia Brasileira de Letras, recebendo Lauro Müller.
Na sua vivenda de Jacarepaguá, possuía o senador Lauro Müller grande quantidade de galináceos, e entre estes, numerosas galinhas d'Angola, de crista vermelha e plumagem cinzenta. Nédias, fortes, livres, satisfeitas, corriam por todo o quintal. Entretanto, de manhã à noite, a cantiga era a mesma: "estou fraco! estou fraco! estou fraco!"
É curioso! - observa o dono da casa, um dia, a um amigo.
E com bom humor:
- Não posso ver e ouvir estas aves que não fique, logo, pensando no Brasil!...

Fonte: Humberto de Campos. O Brasil Anedótico (1927)

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