domingo, 13 de dezembro de 2009

O PROJETO ACADÊMICO PACATUBA

O Projeto Acadêmico Pacatuba (PAPa) foi criado no começo da década de setenta, por iniciativa de estudantes de Medicina. A idéia original foi do estudante Elcias Camurça Filho, que, na época de colegial, participou de programa de intercâmbio da AFS nos EUA, onde realizou parte do seu “high-school”, e engajou-se em programas de trabalhos sociais, feitos voluntariamente, com ampla mobilização da comunidade.
Logo que ingressou no Curso de Medicina da UFC, em 1970, Elcias cogitou montar de algo que levasse os universitários a prestar serviços à população carente, tendo elaborado, sob a orientação direta da sua genitora, a Profa. Zélia Camurça, uma renomada educadora, um projeto de extensão universitária, para esse fim. O projeto em tela foi apresentado e conseguiu, de imediato, a adesão dos seus colegas de turma, Henry de Holanda Campos e Fernando Antônio Frota Bezerra, que compuseram o grupo fundador.
A proposição do campo de aplicação do projeto coube ao Henry de Holanda Campos, ligado por laços familiares, a pessoas envolvidas na administração de Pacatuba, um município situado vizinho à Fortaleza, distando cerca de trinta quilômetros da capital. Na sua fase de implantação, o projeto atraiu a colaboração de outros companheiros, da mesma turma, como: Ana Rosa dos Santos, Glauco Lobo Filho, Maria de Fátima Veras e Eldon Barros de Alencar.
A proposta foi encampada pela universidade, convertendo-se em atividade de extensão rural do Departamento de Saúde Comunitária da UFC, que envidou os esforços necessários para viabilizar a empreitada, buscando o suporte de demais unidades acadêmicas. Dentre os docentes mais atuantes e solidários, figuravam: Zélia Rouquayrol, Júlio Maria Lima, Ariston Cajaty e Adalvaniza Costa.
À medida que os anos letivos iam avançando, eram selecionados alunos das novas turmas, a exemplo de Ana Júlia Couto, Airton Monte, Sullivan Mota e Urico Gadelha, dentre os admitidos na UFC, em 1971, e, depois, agregando alguns dos que formaram conosco, na turma de 1977.2, rememorando-se aqui os nomes de: Carlos Roberto Morais Sampaio, Cristina Mourão, Francisco Delano Campos Macedo, Francisco Jean Crispim Ribeiro, Marcelo Gurgel, Maria Roseli Monteiro Callado, Jussara Nogueira Terra e Marcos Sandro Fernandes de Vasconcelos; esse último chegou a ser a presidente do PAPa, na gestão subseqüente a da Ana Júlia Couto.
O trabalho era realizado sempre aos sábados e prestava assistência comunitária à população do município de Pacatuba e da sua vizinhança. Em princípio, o projeto envolvia apenas acadêmicos de Medicina, mas com o passar dos anos, foi incorporando diversos cursos e tendo então uma atuação bem mais abrangente, dirigido inclusive para o desenvolvimento comunitário.
Quando plenamente instalado, o PAPa possuía uma logística interessante: pela manhã, em escala de revezamento, um grupo, de quatro a cinco alunos, ia em carro próprio à Pacatuba, para cuidar dos meios e da infra-estrutura para a feitura dos serviços pelo conjunto de alunos e fazer a triagem dos atendimentos programados para a tarde. Os demais participantes apresentavam-se no campus do Porangabuçu, por volta das 13h, para tomar o velho ônibus da “Faculdade de Medicina”, que os levava até Pacatuba, cujo trabalho começava às 14h e se estendia até às17h30.
Uma contra-partida da Prefeitura fazia-se então presente no lanche, servido no rápido intervalo de uns quinze minutos, no meio da tarde, quando os alunos se dirigiam ao restaurante autorizado pelo prefeito, para receber um refrigerante acompanhado de um misto quente ou uma coxinha, ocasião em que paravam para respirar um ar mais puro e admirar a topografia da localidade, incluindo a Serra de Aratanha, que viria a ser palco, anos mais tarde, de um terrível desastre de aviação, que deu cabo da vida de mais de uma centena de pessoas.
Para os alunos de segundo e de terceiro anos, as principais atividades eram desenvolvidas no Serviço de Epidemiologia, onde se tinha a oportunidade de travar os contatos iniciais com a dura realidade de vida das populações rurais, visto que se operavam ali levantamentos epidemiológicos e o diagnóstico das condições econômicas e sociais das famílias.
A partir do quarto ano de Medicina, depois de terem passado pela Semiologia, os acadêmicos passavam a estagiar no Serviço de Clínica Psiquiátrica, momento em que era possível constatar que muitas das queixas da clientela referida tratavam-se de formas de manifestação de descontrole produzidas por condições sócio-econômicas adversas, ou marcavam presença no Serviço de Clínica Médica, prestando serviço assistencial aos grupos de adultos. Quase sempre havia um docente designado para acompanhar os estudantes, embora nem sempre fosse médico, para ajudar a solucionar os casos mais complexos, amparado no sistema de referência para o Hospital Universitário Walter Cantídio, que oferecia o suporte, nas situações que exigissem internamento hospitalar.
Havia muito entrosamento entre os participantes, durante a execução das tarefas, com auxílio mútuo, para o aprendizado e para a resolução dos casos da melhor maneira; essa interação, que integrava universitários de distintos cursos, alargava-se no percurso da volta à Fortaleza, animada pela irreverente atuação de Airton e Urico, cujas brincadeiras e pilhérias tornavam o tempo de retorno bem curto. O ônibus entrava em Fortaleza por Parangaba, usando a Av. João Pessoa, fazendo um pequeno desvio, para deixar os alunos, que haviam estacionado os carros no campus do Porangabuçu, e, em seguida, retomava à mesma avenida, parando em vários pontos para liberar mais alguns alunos, prosseguindo pela Av. da Universidade até a Praça José de Alencar, onde desciam os últimos passageiros.
As turmas sucedâneas à nossa ainda deram seguimento a esse exemplar projeto de extensão universitária, que sucumbiu à entrada dos anos oitenta, certamente pela combinação de fatores, incluindo, e.g.: a desmotivação estudantil, para trabalhos comunitários; a falta de apoio da direção do Centro de Ciências da Saúde, após a gestão do Prof. Geraldo Gonçalves; o esfacelamento do Departamento de Saúde Comunitária, em disputas fraticidas; e a institucionalização do CRUTAC.
Por fim, lastima-se aqui o encerramento de um estágio, rico em experiência comunitária, e de grande valia para a formação de profissionais, especialmente os futuros médicos, engajados na luta por uma saúde de melhor qualidade e mais acessível a todos.
Marcelo Gurgel Carlos da Silva
Médico e professor universitário

* Publicado in: Revista Histórias da Saúde. Agosto a outubro de 2009 – ano XI, n.20, p.17.

Um comentário:

Edna Monteiro disse...

Na verdade, o mantivemos até o início dos anos 90, com a participação de vários outros cursos. Mantido pelo amor à extensão, ainda mantemos a amizade que nos uniu através dela. Parabéns por manter a história do PAPa viva!

 

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