João Brainer Clares de Andrade (*)
Talvez eu seja aquele que tanto
a presidenta e seu partido tentam impor a imagem de médico responsável pelo caos
na saúde brasileira. Sou o médico recém-formado que optou por entrar na
residência médica a ir trabalhar no interior do País.
Sem cair no mérito, em nada
posso me opor a ideia de levar médicos à população que precisa, mesmo sendo
esses estrangeiros. A presidenta, no entanto, não se deu ao trabalho de
perguntar: por que o doutor não quer trabalhar nos postos de saúde, nas
capitais ou no interior, visto que a questão é macrorregional? Por que os
médicos não querem mais trabalhar no SUS?
É simples: mesmo com vínculo
explícito de trabalho, há-me a falsa denominação de estudante, em que se
considera que estou sendo formado tendo uma aula rara por vídeo, sem qualquer
avaliação ao longo do ano, sem preceptoria. Não tenho qualquer direito
trabalhista; nem férias posso usar como álibi. O vínculo é frágil, não há
concursos públicos há quase uma década; e depois de um ano, já habituado à
comunidade, sou enfim “convidado” a abandonar o programa. O próprio Governo me
oferece um bônus na prova da residência, movendo-me a interromper o laço com a
comunidade. Os médicos estrangeiros têm garantido período mínimo de três anos.
Por que eles merecem ficar e eu não? Quem ganha com isso?Com a vinda dos estrangeiros, o hiato se aprofundou. Diversos municípios cearenses, inclusive, têm hoje cubanos no lugar de brasileiros que se candidataram a ir aonde “não havia médicos”. Em alguns locais, eles são o dobro das vagas de brasileiros. Eu fui um desses médicos substituídos. Além disso, eles também são considerados estudantes, mas sem credenciais de atuação no país e sem avaliação, tutoria ou treinamento periódicos. Onde estão as universidades que dariam tutoria aos estrangeiros do Mais Médicos? Onde estão as aulas presenciais e por vídeo? Por que não revalidar os diplomas, visto que são tão aclamados pela presidenta e seu partido?
Por último, no plano de
demonizar a imagem da Medicina brasileira, essa mesma que oferece tecnologia e
atenção à saúde dos medalhões da política nacional, a presidenta afirma que o
médico brasileiro “não dá atenção ao paciente”. Senhora presidenta, sou o
médico substituído, sou o que desejou até ir ao interior, mas que não pôde. Eu
sou o médico que, por atenção e respeito ao paciente, não aceita as condições
de sucateamento do SUS do qual a senhora não é usuária. Sou o médico que teve a
97% da formação realizada dentro do SUS.
Atenção, presidenta, é o que a
senhora deveria ter com a saúde do país.
(*) Médico, membro da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores, seção
Ceará
Publicado em O Povo, Opinião, de
15/05/204. p.11.
Nenhum comentário:
Postar um comentário