Por Pe. Brendan Coleman Mc Donald
O dia 2 de novembro de 2014 é o Dia de
Finados, quando recordamos com saudades a memória de nossos mortos. Visitamos
respeitosamente nos cemitérios, os túmulos de nossos parentes e amigos já
falecidos. O encontro da cultura cristã com a cultura celta deu origem à
comemoração do Dia de Finados. Os celtas – povos que habitavam a região da
atual Irlanda – tinham no seu calendário a festa conhecida como “Samhain”.
Nesse dia os celtas acreditavam que os dois mundos – o dos vivos e dos mortos –
ficavam muito próximos e eles celebravam essa comunhão. Desde o século l, os
cristãos rezavam pelos falecidos, visitando os túmulos dos mártires para rezar
pelos que morreram. No século V, a Igreja dedicava um dia do ano para rezar por
todos os mortos, aqueles aos quais ninguém rezava e dos quais ninguém lembrava.
O abade do Mosteiro de Cluny, Santo Odilon, em 998 pedia aos monges que orassem
pelos mortos. E os papas Silvestre ll (996) e João XVll (1012) convidaram a
comunidade cristã a dedicar um dia cada ano aos mortos. No século Xl, o
calendário litúrgico cristão incorporou o Dia de Finados, que deveria cair no
dia 2 de novembro para não se sobrepor ao Dia de Todos os Santos, comemorado no
dia 1º naquela época. Este ano a Festa de Todos os Santos será celebrada no
domingo dia 3 de novembro.
Nossa sociedade de consumo e
tecnologicamente avançada faz tudo para que se esqueça da morte. Frequentemente
um amigo morto já é sepultado antes que as notícias de seu falecimento cheguem
a nós. Para muitos, participar na Missa de 7º. Dia é uma mera formalidade
social sem qualquer significado religioso.
A morte não é o simples fato biológico da
cessação do nosso existir. É o ponto culminante do viver e vem coroar as boas
opções que fizemos durante a vida. Neste dia os fiéis católicos têm o secular e
piedoso costume de rezar pelas almas que ainda podem estar num estado de
purificação antes de gozar da Visão de Deus. Em nossos dias, em certos
ambientes católicos se propagam dúvidas com relação à católica devoção pelas
“almas no estado de purificação”. Obviamente nossa atitude neste assunto não
pode e nem deve ser determinada pelo parecer do último livro de um teólogo. Em
nossa vida cristã somos orientados por uma instância superior. No caso, esta
autoridade é o próprio Concílio Vaticano ll. Na Constituição Dogmática “Lumen
Gentium” (cf. Nos. 49-50) recorda o Concílio que a Igreja sempre venerou com
grande piedade a memória dos defuntos e ofereceu sufrágios por eles; cito o
texto bíblico de 2 Mac 12, 46: “É um pensamento santo e salutar rezar pelos
defuntos para que sejam livres de seus pecados”. Depois, no No. 51, o mesmo
Concílio Vaticano ll torna a referir-se à nossa “comunhão vital com os irmãos
que ainda se purificam depois da morte”, e decide propor de novo os decretos
dos Concílios de Florença e de Trento acerca desta doutrina.
É importante lembrar que depois da morte não
há mais tempo nem espaço, e falar sobre a “duração” deste estado de purificação
não faz sentido. Não há nenhuma doutrina da Igreja relação ao tipo de
purificação dispensada depois da morte. Portanto, precisamos tomar muito
cuidado com os exageros nas fantasias populares.
O estado de purificação possível nada tem a
ver com as imagens medievais de um lugar de castigo e de penas. Também falando
sobre “tempo” no estado de purificação não faz sentido. O Catecismo da Igreja
Católica ensino: “Aqueles que morrem na graça e amizade de Deus, mas não estão
completamente purificados, embora tenha garantida a sua salvação eterna,
passam, após a morte, por uma purificação, a fim de obter a santidade
necessária para entrar na alegria do céu” (No. 1.030). Para o católico, então,
o Dia de Finados não é um dia de tristeza ou lamúrias, mas é um dia de saudosa
recordação, confortada pela fé que nos garante que nosso relacionamento com os
finados não está interrompido pela morte, mas é sempre vivo e atuante pela
oração do sufrágio. O Catecismo da Igreja Católica afirma: “A morte é o fim da
peregrinação terrestre do homem, do tempo e da graça e de misericórdia que Deus
lhe oferece para realizar a sua vida terrestre segundo o projeto divino e para
decidir o seu destino último” (CIC, 1013). Quando tiver terminado “o único
curso de nossa vida terrestre” (L.G. No. 48), não voltaremos mais a outras
vidas terrestres. A Bíblia afirma: “Os homens devem morrer uma só vez” (cf. Hb
9, 27).
Portanto, para os católicos não existe
“reencarnação” depois da morte. Somos salvos pelos méritos de Cristo e não
pelos nossos próprios méritos. Sem dúvida, a visão cristã da morte é expressa
de forma privilegiada na liturgia da Igreja que reza: “Senhor, para os que
crêem em vós, a vida não é tirada, mas transformada. E desfeito o nosso corpo
mortal, nos é dado, nos céus, um corpo imperecível”. O Dia de Finados deve ser
para nós vivos, um eficaz ensejo para refletirmos sobre o sentido e a brevidade
da vida presente.
Dr. Brendan Coleman Mc Donald é padre redentorista e
assessor da CNBB Reg. NE1.
Fonte: O Povo, de 2/11/2014. Espiritualidade. p.16.
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