domingo, 24 de abril de 2022

TAMPONAMENTO INUSITADO

Em janeiro de 1954, o jovem, mas já famoso cirurgião carioca José Hilário, tido como um dos pioneiros da cirurgia cardíaca no Brasil, a convite do Prof. Newton, veio a Fortaleza, a fim de ministrar um curso prático de cirurgia cardíaca, para um seleto grupo de professores da Faculdade de Medicina, marcando esse evento o início dessa especialidade, no Ceará.

Para viabilizar a empreitada, o Dr. José Hilário fez-se acompanhar de parte de sua equipe: o anestesista e a instrumentadora, aqui contando com os Prof. Newton Gonçalves, Haroldo Juaçaba e Paulo Machado, que se revezavam, como seus cirurgiões auxiliares. Como a Faculdade de Medicina do Ceará não dispunha de numerários, a vinda dos convidados foi patrocinada por alguns mecenas locais que pagaram as passagens, enquanto a hospedagem e as despesas do curso ficaram garantidas pelos professores e médicos envolvidos no treinamento.

Com o fito de ratificar a conhecida hospitalidade cearense, após o término do curso, os convidados foram levados para passar o final de semana em Guaramiranga, onde foram, com toda fidalguia, muito bem anfitrionados por Raul Carneiro e Carlos Jereissati, cunhados do Prof. José Carlos Ribeiro, responsável pela logística do Hospital Geral Dr. César Cals, local de realização do treinamento.

O Prof. Newton Gonçalves, em seu livro “Prosa Dispersa” (p.331-2), reconta que na volta desse passeio, um pedregulho “feriu” o carter de um dos dois carros que os transportavam, causando um ameaçador vazamento de óleo.

Parados no meio da estrada, eles não sabiam o que fazer.

Dr. José Hilário, acostumado com a surpresa das hemorragias, falou:

– Só tamponando, imediatamente. Talvez se possa alcançar um lugarejo próximo e pedir ajuda.

– Mas, tamponar com o que? – Perguntou o cardiologista Dr. Antônio Jucá.

Foi então que Isabel, a hábil instrumentadora cirúrgica, não vacilou na pergunta:

– Um “Modess” serve, professor?

As senhoras da comitiva, diante da insólita indagação, entreolharam-se surpresas, pois sequer havia anúncios ou reclames de absorventes femininos nos meios locais, àquela época. Coisas de mulher jamais seriam expostas, com tanto despudor, era o que pensavam. O que valeu, no entanto, foi que o “Modess” cumpriu, a contento, a sua nova e imprevista indicação.

Com esse artefato, e tal artifício, foi possível alcançar outra condução, chegando todos a Fortaleza, trazendo na lembrança a inusitada utilidade do famoso produto íntimo da “Johnson & Johnson”, que, de tão folclórico, tornou-se motivo de sérios risos no grupo de convivas.

Se houvesse publicitário vanguardista, bem à frente daqueles tempos, o absorvente poderia até ganhar um slogan bem apropriado: “Modess não escolhe. Vai de carro a mulher, com a maior garantia”.

* Publicado, originalmente, In: SILVA, M.G.C. da. Contando Causos: de médicos e de mestres. Fortaleza: Expressão, 2011. 112p. p.96-97.

Fonte: SILVA, M.G.C. da. Tamponamento inusitado. In: SOBRAMES – CEARÁ. Sopro de luz. Fortaleza: Sobrames-CE/Expressão, 2020. 364p. p. 243-244.

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