quarta-feira, 23 de agosto de 2023

PROCURA-SE CAIO CID

Por Raymundo Netto (*)

Fui convidado pela Biblioteca Municipal de Pacatuba a falar a um público de técnicos de bibliotecas daquela região a respeito do escritor pacatubano Carlos Cavalcanti, o "Caio Cid". A referida biblioteca, cuja denominação não por acaso é "Carlos Cavalcanti/Caio Cid", completou 50 anos de existência, inaugurada em 1973, um ano após o falecimento do escritor que também empresta o nome a uma rua da cidade, porém, não duvido que a maior parte da população não tenha a menor ideia de quem seja o sujeito por trás deste nome, assim como hoje são poucos, ali ou em Fortaleza, por exemplo, que sequer tenham lido algo escrito por ele. Aliás, quem o procurar pela internet ou em sebos virtuais é capaz de crer que nunca tenha existido de verdade. Intriga-me: como um jornalista, poeta, contista e cronista diário dos mais lidos e festejados em sua época pode simplesmente ser varrido da memória geral. Claro, ele é apenas mais um autor cearense e esquecer de todos que cometeram esse delito sacrílego é quase uma regra...

O certo é que Carlos nasceu no sítio "Limão", na serra da Aratanha, em Pacatuba, a 22 de fevereiro de 1904. Provável filho de agricultor, aos 10 a 12 anos recordava "o ombro calejado do pote [de água] e mão grossa da foice" e que tinha uma única regalia na vida: montar o "Mimoso", seu carneiro de estimação. Montado neste animal, ia ao Carapió, um vilarejo da região, "calças curtas, descalço", gastar 1 cruzado com pé de moleque, macaxeira cozida e tapioca. Ainda na serra de sua infância, diante de "rumorosa solidão, palmeirais alegres e águas claras" acostumou o coração ao culto da natureza, em cujo altar rimou, "ingênuo e deslumbrado", os seus primeiros versos. Não poderia supor que mais tarde ingressaria na Literatura por meio da poesia, da dor e do sucesso. O poema elegíaco "Aleuda" (1934), publicado pelo então jornalista aos 30 anos, relatava em detalhes sublimes de dor o padecimento de Aleuda, sua irmã mais nova, falecida em 1931, e de sua mãe Agripina, a quem denominava "minha noiva/ fada da serra".

A obra, prefaciada por Leonardo Mota, foi um sucesso estrondoso, merecendo uma crítica generosa de renomados autores, como Antônio Sales - costumava afirmar que Caio era um poeta a escrever prosa - e Gustavo Barroso, o que lhe garantiu uma tiragem de 3 mil exemplares em segunda edição, tendo uma terceira em 1966.

No ano seguinte, publicaria "Aguapés"(1935) e "Gitirana" (1938), ambos de crônicas e contos. Em 1950, de crônicas, teríamos "Canapum" e depois "Conta-Gotas" (1958).

A temática de Caio Cid apresenta uma mescla de imaginação e observação, de poesia e de realidade: saudade, a natureza, o sertão, a rotina, o comportamento humano - há uma desilusão inconsolável com o ser humano - e a morte, esta sempre solene, merecedora de todas as atenções. Embora tenha atuado na Secretaria de Polícia e na Câmara Municipal de Fortaleza, o jornalismo sempre foi o seu terreno: O POVO (onde estreou a coluna "Conta-Gotas", cuja reunião originaria a obra homônima e derradeira), O Estado, O Nordeste, Gazeta de Notícias e A Rua, entre outros. Suas crônicas diárias - poucos exemplos temos no Ceará - promoviam debates, retornavam em forma de cartas à Redação que respondia como lhe convinha, em um estilo franco, honesto e, por vezes, contundentes, a surpreender o próprio autor. Viúvo, com duas filhas, em 1963 recebeu o diagnóstico de câncer na laringe, passando por uma cirurgia e perdendo a voz. Contudo, foi em 21 de agosto de 1972, às 22 horas, no Hospital São Raimundo, aos 68 anos, que calou-se definitivamente o cronista, sendo sepultado no cemitério de Pacatuba, sua terra natal. Quem se atreve a devolver ao nosso povo essa voz?

(*) Escritor e articulista de O Povo.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 17/07/23. Vida & Arte, p.2.

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