quarta-feira, 25 de outubro de 2023

QUANDO EU CANSAR...

Por Carlos Roberto Martins Rodrigues Sobrinho (Doutor Cabeto) (*)

Andei por todos os cantos e me apaixonei pelo tempo e pelas lembranças que já não me cabem numa só vida.

Mesmo quando já não faço tantos planos e ensejo o futuro como o passado não curtido. Quando, paulatinamente, é o silêncio que fala por si, que simplesmente compreende.

Não é preciso uma só palavra.

São os acordos de uma caminhada, uma maneira quieta, com uma pitada de melancolia, seguida quase ao mesmo tempo, pela plasticidade em nossas vidas.

Penso, assim!

Quero envelhecer todos os minutos, especialmente, para não prever o futuro, para aceitar não terminar a missão, mesmo ciente do tanto por fazer. Quero descrer das "verdades", e lembrar sem tristeza, pois envelhecer é, para mim, um ato de humildade.

É que não tem idade o destino!

E quando eu cansar quero deixar meu corpo em paz. Vou sentir a brisa bem quietinho para ter certeza que vai durar.

Vou tomar cada momento com os meus, para abrandar a luta de uma vida que não passa assim tão facilmente, que dá vertigem em alguns momentos.

Quero lembrar das conversas inusitadas e curiosas que me fizeram gargalhar, refletir e parar. Simplesmente por falar do que não foi dito, do que nos é implícito e tão mais sutil mais gentil e mais verdadeiro.

Quando eu me for, quero estar guardado dentro dos meus pensamentos e ir suave, com muita brandura.

Quando assim o for, o farei com minhas fraquezas, com as poucas virtudes, mas, fá-lo-ei sem vaidade, sem medo da dor e sem preconceito. Aceitarei, enfim, o encontro comigo mesmo.

Findo com uma escrita guardada há anos, mas que me parece oportuna:

Enfim, que o silêncio conte algo sem parecer ausência ou negligência. Que seja somente conformação diante dos fatos. Que experimente cada dia a dúvida do amanhã, do corpo que envelhece como se o instante fossem anos...

Repentinamente, foi tudo tão rápido!

O acordar de um sonho, a Ilusão de um tempo que insistia, o acordar de um corpo que não mais me pertence. Não é uma sentença, nem tampouco um castigo. Não exige penitência. Faz nascer a solidão que aquieta os desejos.

E com aqueles que sinto a vida, compartilho a minha sina, pois dividem comigo as escolhas e a minha missão.

Muito mais que tudo, são as minhas contradições de outrora, que se renovam a cada dia, como uma marca do passado, da genética, da tradução do espírito, e de gerações que se sucedem...

(*) Médico. Professor da UFC. Ex-Secretário Estadual de Saúde do Ceará.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 7/10/2023. Opinião. p.19.

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