Criptas e museu do funeral compõem passeio diferente em Viena
Eduardo Vessoni,
Do UOL, em Viena
*
Na capital da Áustria, a vida segue em grande estilo.
Cavalos arreados deslizam solenes pelas ruas estreitas de Viena; jardins
imperiais ficam cheios de visitantes em dias de sol exagerado e praias do rio
Danúbio se transformam em atração inesperada nos meses de verão.
Mas em meio àquele labirinto de edifícios declarados
patrimônios da humanidade, o viajante encontra uma cidade com uma certa queda
pelo mundo funerário. E a população local não faz nenhuma questão de esconder
seu fascínio pelo assunto.
No roteiro mórbido estão catacumbas com caveiras
centenárias, criptas imperiais que expõem caixões como obra de arte e até um
museu dedicado aos rituais funerários.
Caixão do
Sitzsarg, o Museu do Funeral, em Viena, para enterrar o morto sentado.
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O Museu do Funeral (Bestattungs Museum), considerado o
primeiro em seu gênero em todo o mundo, é sem dúvida um dos endereços mais
inusitados de toda a Viena funérea. O acervo com mil objetos abriga caixões
reutilizáveis, peças feitas para mortos enterrados sentados, urnas de porcelana
e até um sino salva-vidas.
Uma das curiosidades deste espaço dedicado ao ritual de
sepultamento é o caixão econômico criado a partir do decreto do imperador
Joseph II, em 1784. A
ideia, simples e absurda, obrigava a reutilização do caixão após o funeral,
cujo fundo falso se abria para que o corpo do recém-falecido, enrolado em um
saco, fosse jogado direto em uma sepultura. A ideia da peça reutilizável não
pegou, sobretudo entre os familiares que se despediam do morto, e o imperador
teve que voltar atrás, revogando seu (avarento) decreto.
O acervo segue com peças inusitadas como o sino
salva-vidas que, na primeira metade do século 19, era anexado ao corpo do
defunto. Mais do que questões religiosas, o tal objeto foi a maneira encontrada
de se ter certeza de que o falecido realmente tinha passado dessa para uma
melhor. Caso a pessoa não estivesse de fato morta, o movimento de seu corpo
acionaria o tal sino, avisando o coveiro pela corda presa a seu apartamento.
O desespero de ser enterrado vivo fez com que pessoas
chegassem a pedir, antecipadamente, que, após sua morte, fossem esfaqueadas no
coração com um estilete cuja lâmina media 19 centímetros. O
tal objeto de “assassinato pós-morte” também se encontra em exposição no museu.
Outra peça que beira a surrealidade, literalmente, é o
Sitzsarg, um caixão criado pelo curador do museu, Wittigo Keller, em que o
defunto seria enterrado... sentado. Não é à toa que a obra, feita uma única vez
para fins artísticos, tenha sido inspirada no surrealismo do artista belga René
Magritte.
Fotos de rituais funerários celebrados no início do
século passado e urnas feitas de cobre, mármore, madeira e até com porcelana
Augarten são algumas das peças que também fazem a alegria dos mórbidos
viajantes que visitam o local.
Durante séculos, os vienenses se preocuparam em enterrar
seus mortos o mais próximo possível de sua residência, por este motivo é comum
encontrar cemitérios subterrâneos em áreas centrais de Viena como as catacumbas
da catedral de St. Stephen ('Stephansdom',
em alemão) e o cemitério ao ar livre da Schottenstift
('Abadia dos Escoceses', em português).
No entanto, aqueles hábitos fúnebres seriam cancelados
quando o imperador Joseph II os proibiu por questões de saúde pública,
sobretudo no que se referia a epidemias. É dessa época a origem de um dos
atrativos mais impactantes da Viena debaixo da terra. Conhecido como Cripta
Imperial (Kaisergruft, em alemão),
este salão nos subterrâneos da Igreja dos Capuchinos guarda os restos mortais
dos membros da dinastia dos Habsburgo e expõe seus caixões de metal com
contornos detalhistas em uma espécie de corredor mórbido onde as peças ganham
valores artísticos e as figuras decorativas parecem saltar dos caixões.
Vista de uma das salas
da cripta da Michaelerkirche, igreja de Viena que guarda 210 caixões.
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Desde 1633, imperadores, imperatrizes, reis e rainhas
repousam nesse ambiente com quase 400 anos de história da Áustria, totalizando
149 corpos de personagens com sangue Habsburgo, os antigos monarcas austríacos.
A regra imperial era macabra, mas uma cruel realidade.
Por mais de 200 anos, entre 1654 e 1878, os restos mortais dos Habsburgs eram
enterrados em três lugares diferentes. O coração era colocado em urnas de prata
na 'Cripta do Coração', na Augustinerkirche; os intestinos em urnas de cobre
nas catacumbas da Catedral de St. Stephen; e as partes sobrantes eram
embalsamadas antes de serem enviadas para a Cripta Imperial.
Criada a partir de um decreto assinado pelo imperador
Ferdinand III, a Cripta Imperial guarda obras como o impressionante sarcófago
duplo de Maria Teresa da Áustria e seu marido, o imperador Francisco I; e os
caixões da bela imperatriz Sissi e de seu esposo, Francisco José I.
Já a cripta da Michaelerkirche
('Igreja de São Miguel', em português), inaugurada no século 16, abriga não só
os restos mortais da nobreza austríaca como também de pessoas da classe média
da época. Seus 210 caixões, cujo mais antigo é de 1589, possuem corpos em
perfeito estado de conservação, muitos dos quais com as joias e roupas
utilizadas no dia do velório.
Suas 19 criptas formam um cenográfico labirinto decorado
com caixões abertos com múmias expostas, ladeiras de ossos e crânios, pequenas
urnas com restos mortais de crianças e antigas correntes penduradas nas
paredes.
Desde 1633, imperadores, imperatrizes, reis e rainhas
repousam nesse ambiente com quase 400 anos de história da Áustria, totalizando
149 corpos de personagens com sangue Habsburgo, os antigos monarcas austríacos.
A regra imperial era macabra, mas uma cruel realidade.
Por mais de 200 anos, entre 1654 e 1878, os restos mortais dos Habsburgs eram
enterrados em três lugares diferentes. O coração era colocado em urnas de prata
na 'Cripta do Coração', na Augustinerkirche; os intestinos em urnas de cobre
nas catacumbas da Catedral de St. Stephen; e as partes sobrantes eram
embalsamadas antes de serem enviadas para a Cripta Imperial.
Criada a partir de um decreto assinado pelo imperador
Ferdinand III, a Cripta Imperial guarda obras como o impressionante sarcófago
duplo de Maria Teresa da Áustria e seu marido, o imperador Francisco I; e os
caixões da bela imperatriz Sissi e de seu esposo, Francisco José I.
Já a cripta da Michaelerkirche
('Igreja de São Miguel', em português), inaugurada no século 16, abriga não só
os restos mortais da nobreza austríaca como também de pessoas da classe média
da época. Seus 210 caixões, cujo mais antigo é de 1589, possuem corpos em
perfeito estado de conservação, muitos dos quais com as joias e roupas
utilizadas no dia do velório.
Suas 19 criptas formam um cenográfico labirinto decorado
com caixões abertos com múmias expostas, ladeiras de ossos e crânios, pequenas
urnas com restos mortais de crianças e antigas correntes penduradas nas
paredes.
Mais do que uma atração para visitantes menos sensíveis,
o local é um impressionante registro histórico do ritual funerário da Áustria
ao longo dos últimos séculos. Naqueles corredores gelados e pouco iluminados estão
os caixões do poeta italiano Pietro Metastasio, a maior e mais imponente de
todas as peças expostas; e um pesado caixão de 600 kg com detalhes
barrocos.
Assim como a capital francesa, Viena também conta com
cemitérios que ganharam status de atração turística e arquitetônica. O
Cemitério Central de Viena ('Zentralfriedhof',
em alemão) é considerado um dos maiores da Europa e já foi chamado pelo artista
André Heller de “afrodisíaco para necrófilos”.
Criado em 1870 pelos paisagistas Karl Jonas Mylius e
Alfred Friedrich Bluntschli, o local chegou a ser destruído durante ataques na
Segunda Guerra Mundial, onde doze mil sepulturas foram totalmente destruídas.
Atualmente, seus 330 mil jazigos guardam os restos mortais de três milhões de
pessoas, em uma área de 2,4 km² de extensão. No cemitério estão os corpos dos
compositores Johannes Brahms, Johann Strauss, Ludwig van Beethoven, Franz
Schubert e um memorial dedicado a Wolfgang Amadeus Mozart.
Certa vez, Helmut Qualtinger, ator austríaco também
enterrado no local, afirmou que, “em Viena, você tem que morrer primeiro antes
de celebrar a sua vida. Mas depois disso, você vive muito tempo".
É por estas e outras que, em Viena, a morte parece cair
tão bem.
* O jornalista Eduardo Vessoni viajou a convite do Vienna
Tourist Board
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