terça-feira, 14 de janeiro de 2014

LUCANO, UM MÉDICO DE HOMENS E DE ALMAS



Medice, cura te ipsum, ou
“Médico, cura-te a ti mesmo!” (Lc, 4:23)
Publicado, originalmente, em 1958, sob o título Dear and Glorious Physician, de Taylor Caldwell, é um livro que tem resistido ao tempo, despertando o interesse em muitos leitores dos quatro cantos do mundo. Em português, a edição ganhou o título de “Médico de Homens e de Almas”.
A autora, britânica de nascimento, que morou a maior parte de sua vida nos EUA, começou a escrever essa monumental obra aos doze anos de idade, vindo a completá-la quarenta e seis anos depois.
Essa obra de ficção está focada na vida de São Lucas, contada sob a forma de um romance histórico, e exigiu da autora a pesquisa e a leitura de alentada literatura, bem como a consulta a experts, no intuito de garantir uma trama tão verossímil quanto possível.
Lucano, mais conhecido pelo diminutivo afetuoso Lucas, o personagem central era grego nascido na Antioquia, atual Síria, e foi contemporâneo de Jesus Cristo, mas não o conheceu pessoalmente. Há figuras reais, reconhecidas na História, como Tibério, Herodes e Pilatos, ao lado de personagens bíblicas, e outras tantas incidentais, que ajudam a compor o fio condutor da estória, urdida com o fino apuro.
O livro está dividido em três partes: a primeira discorre sobre a infância de Lucano junto à sua família e aos seus senhores romanos, quando experimenta as primeiras desilusões existenciais, passando a culpar o Deus Desconhecido do panteão grego pelas desgraças que afligiam os humanos; a segunda, concentra-se na juventude, quando Lucano vai estudar medicina em Alexandria, buscando amealhar conhecimentos para, com a sua arte, se contrapor aos efeitos maléficos divinos; e terceira, cobre a fase adulta, quando ele vai trabalhar, como médico, pelo mundo afora, espargindo o bem, com a cura e o lenitivo a inúmeros doentes, notadamente os mais pobres e desvalidos, e, gradualmente, vai se convertendo à fé cristã, até assumi-la por inteiro em sua vida.
As narrativas traçam cenários do Império Romano, à época do nascimento de Jesus e dos primórdios do cristianismo, recorrendo a pormenorizadas descrições de contextualização, apoiadas em vasto e riquíssimo vocabulário, ao tempo em que são introduzidos por Taylor Caldwell os acontecimentos exarados no Novo Testamento; as descrições de alguns casos clínicos, como leucemia, eclampsia, osteoartroses, diabetes etc., vivenciados pelo médico grego, merecem uma apreciação por um bom médico diagnosticista.
Não se trata apenas de um livro volumoso, por sua extensão, mas algo de notável densidade psicológica, escrito com profundidade quando a autora expõe os sentimentos de angústia e as inquietações de Lucano, em seu longo périplo, até alcançar a conversão espiritual, quando aceita o Nazareno, filho unigênito de Deus, como o redentor dos homens.
Tal como o apóstolo Paulo, de quem Lucas tornou-se amigo próximo, ele não aceitava que o Salvador viera somente para a redenção dos judeus, cumprindo as profecias da vinda do Messias, contidas no Antigo Documento, mas se destinava também aos gentios.
O livro reconta como Lucano busca discípulos e seguidores do Cristo Jesus, para subsidiar a escrita do seu Evangelho, cujo ápice da procura é atingido quando tem por interlocutora Maria, a Santíssima Virgem, que contará a ele grandes momentos da vida do seu Filho, desde a anunciação até a sua volta ao Pai.
Além de não ter tido contato direto com Jesus, Lucas é o único dos apóstolos da Igreja primitiva que não era judeu. Foi ele o autor do terceiro Evangelho, considerado o de redação mais apurada, o que condiz com a sua formação de médico, avalizada por sua elevada erudição. A esse evangelista também é atribuída a feitura da maior parte dos Atos dos Apóstolos, igualmente redigido com fundamento em depoimentos de terceiros, porquanto Lucano, como dito anteriormente, não fora testemunha ocular dos feitos de Cristo, em Sua passagem terrena.
O evangelista e médico São Lucas é também reconhecido como: primeiro historiador eclesiástico, primeiro hinologista cristão, primeiro pintor cristão, patrono dos pintores e patrono dos médicos.
Por fim, pode-se dizer que “Médico de Homens e de Almas”, por sua visão holística da prática médica, tendo o homem como um ente biopsicossocial, é leitura recomendada a todos que valorizam os aspectos espirituais do ser humano, sejam eles médicos ou não, independente da religião professada.
É também, sem dúvida, um livro que é viável ser lido, ou relido, sob imersão, como se estivesse em um retiro espiritual, ou mesmo entre aeroportos e leitura de bordo, no duradouro percurso de uma viagem internacional.
Marcelo Gurgel Carlos da Silva
Da Sociedade Médica São Lucas

* Publicado In: Boletim Informativo da Sociedade Médica São Lucas, 9(76): 4, novembro de 2013.

Nenhum comentário:

 

Free Blog Counter
Poker Blog