Por Por Sheila Lobato
Uma pesquisa feita na Itália mostrou quem a opinião pública
pensa que são os maiores mentirosos. Em primeiro lugar, os políticos, com 72%
dos votos. Depois, pela ordem, vieram os jornalistas, os comerciantes e os
publicitários. No Brasil, uma pesquisa dessas mudaria.
Você sabia que passamos a metade
da nossa existência mentindo? E que, com muita frequência, a mentira é
necessária?
Tão antiga quanto a humanidade,
ela faz parte da nossa vida. Está presente nos jornais, nos livros da melhor
literatura, em documentos de governo, nos discursos de políticos e até na
Bíblia.
Na maioria das vezes, a mentira
não passa de uma bobagem. Mesmo assim, o maior teólogo da Igreja Católica, São
Tomás de Aquino, deu-se ao trabalho de classificar a mentira em três espécies
ou graus: a divertida, a utilitária e a daninha, capaz de causar graves
prejuízos. A última é que é importante: ardilosa e sutil, pretende mudar os
fatos.
O esforço físico e
mental de mentir ganhou representação visual no nariz comprido como o de
Pinóquio.
Em qualquer caso, a mentira tem
de ser bem contada. Pesquisadores da Temple University, na Filadélfia (EUA),
descobriram que contar mentira dá trabalho. Numa experiência, feita com
ressonância magnética funcional por imagem, constataram que o cérebro faz um
esforço maior que o normal para contar uma mentira. E se é contada a uma pessoa
muito próxima, o esforço é dobrado e pode ser perigoso. Quanto maior a intimidade,
maior a necessidade de reforçar a mentira contando outras mentiras, para “defender”
a primeira. O resultado é um estresse que acaba em somatizações como dores
musculares, tiques nervosos e males mais graves.
Mentirosos desse grau podem
desenvolver múltiplas personalidades. Uma para cada situação que criaram. E
administrar isso transforma a vida num inferno em que o mentiroso vai vivendo
até... se queimar. Nesse ponto, a conseqüência mais séria é, além das
somatizações, a perda do afeto dos outros. O destino final do mentiroso é o
isolamento social.
São Tomás de Aquino diria que é
um inferno mais que adequado. Pois o que o mentiroso mais quer é o
relacionamento, o convívio com os outros. O mentiroso pensa que, para se
relacionar com o mundo, precisa mentir. Não está totalmente errado, mas mentir
o tempo todo é uma doença. Ou porque ele se considera tão imperfeito que
precisa da mentira como um escudo, ou porque se julga tão superior que a
mentira é um disfarce para iludir o outro sobre sua genialidade e afagar o
próprio ego.
Pescadores, com
suas histórias mirabolantes, também são associados a esse comportamento.
Mas, dos 8 aos 80, o mentiroso
é um sujeito inteligente. Um estudo dos doutores Paul Ekman e Maureen
O'Sullivan, da Universidade da Califórnia (EUA), mostrou que os mentirosos
patológicos têm 26% mais de “massa branca” na região associada à mentira no
córtex cerebral. A “massa branca” são as duplas de neurônios com que o cérebro
é capaz de criar - portanto, nossa matéria pensante.
Há mentiras que ficam para
sempre. Para convencer as pessoas de sua época que o orgulho, a presunção e a
falsidade são os piores pecados, o autor bíblico criou o mito do Paraíso e nele
fez a serpente contar mentiras à mulher de Adão. Seduzida pelos argumentos, Eva
acredita que ela e Adão não morrerão, mas serão como os deuses se comerem da árvore proibida, plantada por Javé no centro
do jardim. A árvore da imortalidade estava reservada somente aos que soubessem
discernir entre o bem e o mal. Adão e Eva morreriam se comessem seus frutos,
pois não estavam preparados. Mas a astúcia da mentirosa cobra faz Eva comer o
fruto que não pode e ainda oferecê-lo ao inocente e parvo Adão, que está bem ao
seu lado, mas totalmente alheio à conversa da cobra com a mulher.
Haveria outra forma de contar o
mistério da criação humana, senão pela mentira de uma cobra? Certamente, mas
não se pode garantir que teria o mesmo sucesso. É, de longe, a mentira mais
bem-contada da história. E há mais de uma razão para estar na Bíblia. Na
teologia cristã, a mentira é o Mal, a própria essência do pecado original. As
filosofias orientais não deixam por menos: o próprio mundo é uma mentira, pois
não passa de ilusão. Nem nossa mente se salva, pois também ela é uma ilusão. A
verdade, só podemos vê-la com os olhos do espírito, através da meditação.
Outra mentira célebre é o “presente”
dos gregos aos troianos, que valeu a vitória daqueles na guerra de Tróia. Em
sua fábula, Homero faz do cavalo uma alegoria para dizer que mesmo a força
precisa da mentira para as grandes conquistas. Platão, um dos maiores filósofos
gregos, ensinava que os governantes deviam mentir para o bem do povo. Maquiavel
escreveu que o príncipe devia ser “um grande simulador e dissimulador”.
Nos tempos modernos, o
ex-secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger sustentava que o Estado
e, portanto, o estadista têm uma moral diferente da moral do cidadão. Para
defender sua teoria, citava Richelieu, Bismarck e Roosevelt. E não é preciso ir
tão longe: no Brasil, um ministro da Fazenda, Rubens Ricúpero, perdeu o posto
por dizer, antes de uma entrevista à televisão, mas sem saber que já estava no
ar, que “no governo a gente dá os números bons e esconde os maus”. O platônico
Ricúpero não teria renunciado se sua frase tivesse ficado entre ele e o
repórter, como pensava.
Mas há verdades que só dão
resultado se passarem por mentira. Sabe-se, por exemplo, que o serviço de
inteligência inglês mandou informações precisas para os alemães sobre a hora e
o local do desembarque na Normandia, na Segunda Guerra Mundial. Não era
mentira, mas os alemães pensaram que era e foram vigiar lugares mais ao norte,
onde tinham a certeza de que seria feito o desembarque. Ninguém poderia ser
louco o bastante, pensavam eles, de desembarcar num lugar como a Normandia.
Uma pesquisa feita na Itália
com 1.200 pessoas de ambos os sexos, dos 14 aos 79 anos de idade, mostrou quem
a opinião pública pensa que são os maiores mentirosos. Em primeiro lugar vieram
os políticos, com 72% dos votos. Depois, pela ordem, os jornalistas, os
comerciantes e os publicitários. No Brasil, uma pesquisa dessas mudaria algumas
colocações, mas, com certeza, a primeira seria a mesma.
Desmascarar uma mentira não é
difícil. O olho atento de uma mulher - os homens são fracos nisso - pode
detectar facilmente se uma pessoa está mentindo ou não. Começa pelos olhos, que
tremem e piscam mais que o normal. Não fitam o outro diretamente, a pupila se
dilata, a voz fica mais fina e a fala se torna hesitante, perdendo a fluidez. O
mentiroso faz mais afirmações negativas que o habitual, gesticula muito e toca
várias vezes o queixo e o nariz. Ao sorrir, os lábios não se abrem
espontaneamente, mas parecem forçados e podem até tremer.
Nem todos esses sinais aparecem
juntos. Depende do grau da mentira. No caso dos políticos, quanto mais
estridente estiver a voz, mais mentiras estarão contando. E se estiverem
abusando das negações ou das afirmações, é porque estão pensando, ou vão fazer,
o contrário do que estão dizendo. O invejoso mostrará um olhar vazio quando
cumprimentar o colega pela promoção. Seu abraço não tocará a barriga do outro.
A amiga que elogia a elegância da outra, mas desvia o olhar dos olhos dela,
está dissimulando sua verdadeira opinião.
Os espiões sabem que a melhor
forma de esconder a verdade é contar a verdade. É mais ou menos isso o que faz
o marido infiel ao dizer em casa, tarde da noite, que saiu com mulheres,
respondendo à pergunta aflita de sua mulher: “Onde você estava, meu bem?”
E quando as mulheres, afinal,
começam a desconfiar da fidelidade de seus maridos, não é raro que pensem
justamente o contrário, achando que eles ainda não chegaram porque, como
alegam, estão tendo muito trabalho no escritório. O ser humano tende a aceitar
tudo o que confirme sua crença, mesmo quando estapafúrdio.
De acordo com os psicólogos,
nossa mente tem uma zona de sombra que é incapaz de olhar de frente a
realidade. É nela que nascem as nossas mentiras e onde também se dá a aceitação
da mentira dos outros. Mas junto a esse centro há outro maior, que usa recursos
do vizinho. É o centro da imaginação. Dele surgem tanto o escândalo como a
comédia, o mágico e o estelionatário, o inventor e o grande ator, o cientista e
o poeta. Alguma forma de mentira está na base de qualquer arte, como um direito
de todos à diversão e ao encantamento. E isso é, de fato, a mais pura verdade.
Fonte: Revista Época, edição 435, dez/2008.
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