quarta-feira, 30 de abril de 2014

Causos Militares em Brasil Anedótico III


EUCLIDES DA CUNHA E FLORIANO
Araripe Júnior - Revista da Academia Brasileira de Letras, n° 39, pág.256.

Genro do general Solon, Euclides da Cunha tivera notícia de que Floriano, que mandara prender aquele militar, o ia mandar fuzilar. Num ímpeto de coragem, o moço escritor procurou o ditador. E, sem medir as conseqüências, começou a verberar o seu procedimento, se tal fizesse. Tamanha audácia, era das que Floriano costumava punir com uma descarga de fuzilaria, no silêncio de uma fortaleza. Ao terminar, o ditador indagou, a testa franzida:
- Já acabou?
- Já, - respondeu, firme, Euclides.
E Floriano, desanuviando a testa:
- Menino, quando seu pai não cogitava sequer de fabricá-lo, (a frase é outra, brutal, mas equivalente), eu já era amigo de Solon.
E no mesmo tom:
- Pode retirar-se.

A PARTE DO CAVALO
Ernesto Sena - "Deodoro", pág. 151.
Era Deodoro presidente da República quando o convidaram para visitar o atelier de Rodolfo Bernardeli, no qual se achava, quase acabado, o quadro representando a proclamação da República.
O velho soldado parou diante da tela, na qual a sua figura varonil aparecia montando um ginete árdego, examinando-o, atento.
De repente, voltou-se para os que o acompanhavam.
- Vejam os senhores! - disse.
E indicando o quadro:
- Quem lucrou no meio de tudo aquilo foi o cavalo!...

A FUGA DO TENENTE
Paulo Barreto - Discurso na Academia Brasileira de Letras.

Preso durante a revolta, foi Guimarães Passos obrigado a assentar praça na Guarda Nacional, no posto de cabo. Vítima de um inimigo rancoroso, escreveu a um amigo, pessoa de confiança do governo, este bilhete rápido:
"Salva-me de ser cabo, para ser alferes, ao menos."
Aflito, o amigo procurou o comandante da milícia, arranjou-lhe posto melhor, farda, dinheiro, e mandou-lhe tudo. E, à noite, recebia outro bilhete:
"Promovido tenente sigo grato rumo ao mar."

E fugiu para a Argentina.

O PRESTÍGIO DA GUARDA
J.M. de Macedo - "Ano Biográfico", vol. I, pág. 156.

Na sessão legislativa de 1837, acabava Diogo Antônio Feijó de apresentar o seu relatório propondo medidas audaciosas para manter a ordem à revelia das forças regulares, quando um deputado, à sua direita, indagou:
- V. Excia. tem quarenta mil homens para sustentar as idéias do relatório?
- Não; mas tenho quarenta mil guardas nacionais!

ABNEGAÇÃO DE CHEFE
Rio-Branco - Com. a "História da Guerra do Paraguai", cap. XVIII.

A coluna brasileira de Mato-Grosso recuava acossada pelos paraguaios e dizimada pelo cólera, quando, chegada a um pouso, foram procurar o comandante, o coronel Camisão, para comunicar-lhe novas mortes. Encontraram-no com a fisionomia alterada, em dores atrozes. O médico da expedição, o dr. Gesteira, quis experimentar uma nova aplicação de remédios.
O chefe recusou, porém:
- Deixe-me morrer tranqüilo; nada me pode salvar: socorra antes aos soldados que ainda possam escapar...
E morreu.

A ESPADA DO HERÓI
Contada pelo Dr. Mário Brant.
Ocupava o general Osório a pasta da Guerra quando em um dos despachos coletivos no Paço, o Imperador, minado pelas moléstias e pela velhice, começou a cochilar, e adormeceu, na presença mesmo dos seus ministros. Estes entreolharam-se, numa consulta silenciosa. Que fazer, em semelhante emergência? Irem-se embora? Seria uma desconsideração. Chamá-lo? Seria um desrespeito.
Osório teve uma idéia. Desafivelou o cinturão, e, como inadvertidamente, deixou cair a espada, com estrondo, no soalho. Despertando com o barulho, o monarca, vendo o que era, objetou-lhe, sorrindo:
- Certo, Sr. general, a sua espada não caía assim no Paraguai.
- Absolutamente, majestade! - contestou o herói.
E num assomo repentino de orgulho:
- Mesmo porque, no Paraguai, não se dormia!

FALTA DE SORTE
Ernesto Sena - "Deodoro", pág. 149.

Quando presidente da República, era Deodoro procurado por dezenas de indivíduos que se diziam republicanos de longa data e que se consideravam, por isso, com direito a serem amparados pelo novo regime. Um deles, homem de idade avançada, queixava-se, certa vez, insistentemente, da ingratidão da pátria, pois que havia sido propagandista, e era republicano há mais de trinta anos.
- Ora, meu caro amigo, - atalhou Deodoro, - eu sou republicano a datar de 15 de novembro, e já cheguei a presidente da República. Logo, a República não é ingrata.
E estendendo-lhe a mão para despedi-lo:
- O senhor é que é caipora!
Fonte: Humberto de Campos. O Brasil Anedótico (1927)

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