Pedro
Henrique Saraiva Leão (*)
Nos últimos sete anos, desde 10/11/2007 (“Há que ler, há
que ler”) até “Ler ou não ler” (28/10/2014) escrevemos aqui 11 artigos acerca
dos méritos da leitura, notadamente da literatura de ficção. Ressaltamos por
igual sua quase obrigatoriedade para os médicos. Harold Bloom (Nova York, N.Y.,
1930), autor de “O Cânone Ocidental”, e o “Gênio” (Editora Objetiva),
1984/2003) salientou ademais a importância da releitura de Homero, Cervantes,
Dante e Shakespeare.
Os conhecimentos médicos deste lhe valeram a introdução
de oito facultativos em sete de seus dramas, nos quais o decesso, a defunção,
exílio, passamento, o óbito sobressaía na cena final. Desculpem tantos
sinônimos para a morte, mas precisamos conhecê-la melhor, pois dela seremos
hóspedes um dia.
Em verdade, “nascentes morimur”, aliás morremos um pouco
todos os dias, como referendamos neste espaço em 13/10/2010. Segundo o
personagem Francis Feeble, em “Henrique Quarto” (2ª parte, Ato 2, Cena 3)
“devemos uma morte a Deus” (“We owe God a death”). Tal lê-se na edição
completa, da editora Collins, de Londres e Glasgow, que adquiri na hoje extinta
Casa Crashley Ltda, no Rio de Janeiro, agosto, 1964. O leitor mais atento
notará que a palavra “feeble” significa débil, enfermiço, como estaremos quando
mais velhos, perto do fim.
Aos consulentes (aqueles que consultam, pesquisam)
exigentes, recomendamos a biografia escrita pelo inglês Anthony Burgess (1917 –
1933), da Penguim Books Ltd, England, 1970, e na minha estante desde 1978.
Deste é o famosíssimo “Laranja Mecânica” (“A Clockwork Orange”) filmado em 1971
(ver resumo na revista “Psique”, ano IX, nº 115 ). Compondo literatura,
Shakespeare adentrou-se na filosofia, esta, a versão prática, aplicada da
literatura. Com parentes médicos (seu genro e o pai deste), Shakespeare
incursionou por quase todos os ramos da Medicina. Afirma-se mesmo ter ele sido
o primeiro psiquiatra ocidental, ao lado de Phillippe Pinel (+1826) e John
Conolly (+1866). Para tão extraordinário dramaturgo, o mundo todo é um palco, e
todos os homens e mulheres meros atores (“all the world is a stage, and all the
men and women merely players”), e um homem em vida interpreta várias partes, em
sete idades.
Este trecho consta de “As you like it “ (Ato 2, Cena 7, traduzida
por “Como Quiserem”, por Bárbara Heliodora, da Editora Nova Aguilar, Rio de
Janeiro, 2009 (3 volumes). Usando a ribalta como metáfora (designar algo por
outra palavra), Shakespeare também criou o solilóquio ou monólogo de Macbeth
(Ato 5, Cena 4): “Tomorrow, tomorrow, and tomorrow” (“Amanhã, amanhã, e
amanhã”).
Nesse tablado, na peça antes citada, o homem viveria as
idades do bebê nos braços da babá, da criança indo à força pra escola, do
amante louvando a amada, do brioso soldado buscando a fugaz fama na fumaça do
canhão, e a idade do aposentado, com voz de criança, pois já na segunda
infância (“second childishness”). Assim termina sua parte, “sem dentes, sem
visão, sem gosto, sem nada”.
O poeta (1564-1616) faleceu aos 52 anos, cedo para sua
época (revista “Veja”, 8/4/2015). Ainda hoje, no teatro do tempo, o trem da
vida percorre as mesmas estações, e assim voltamos todos ao camarim.
(*) Médico. Professor
Emérito da UFC. Ex-presidente e atual secretário geral da Academia Cearense de
Letras.
Fonte: O Povo,
Opinião, de 19/8/2015. p.8.
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