sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Até o general Millán Astray pode virar farsa


Por José Jackson Coelho Sampaio (*)
O poeta, filósofo e reitor da Universidade de Salamanca, Miguel Unamuno, já idoso, viveu uma experiência trágica, que precipitou o fim de sua vida. Diante da saudação “Viva a Morte”, do general Millán Astray, um dos líderes do franquismo, na Espanha, da década de 1930, por ocasião de uma cerimônia universitária, o reitor não pode ficar calado.
Sintetizo o que ele disse: “acabo de ouvir um grito insensato, um ridículo e repelente paradoxo; o General Astray é um inválido de guerra, também o foi Cervantes; o que atormenta é pensar que o General Astray possa ditar normas para a psicologia das massas; de um mutilado que careça da grandeza espiritual de um Cervantes, é de esperar que encontre um terrível alívio vendo como se multiplicam os mutilados em seu redor”.
Vivemos tempo de mutilados físicos, morais, psicológicos, espirituais. Se a violência é uma possibilidade humana, experimentamos, hoje, uma estrutura social que a estimula, a glamouriza e a consolida, nas guerras de exploração, nas vinganças terroristas, nas psicopatias individuais, estrelando séries de televisão, onipresente no telejornal diário, na oralidade vaidosa de populistas, no comportamento de lideranças políticas sem qualquer natureza de grandeza.
Há uma demagogia perigosa, por exemplo, no substantivo “bolsonaro” e no verbo “bolsonarizar”. Não parece existir forma de evitar o surgimento do fenômeno, mas como construir os equilibradores políticos, sociais, econômicos e éticos, os contrapesos capazes de desarmar o perigo, transformando-o em sombra de farsa? Este é nosso desafio de cidadania.
Em breve escolheremos prefeitos e vereadores, os síndicos da casa pública mais próxima de nossa vida cotidiana. Desejo que a alegria, a liberdade e a esperança não sucumbam diante da insatisfação, do imediatismo individualista, da falta de informação orgânica, não da pletora da informação repetida como saraivada de slogans, profundamente manipulada. Que nosso modelo seja Cervantes, nestes quatrocentos anos de seu Don Quixote.
(*) Professor titular em saúde pública e reitor da Uece.
Publicado In: O Povo, Opinião, de 4/8/16. p.10.

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