Por Cláudia Leitão (*)
O que há de comum entre a Igreja de São
Francisco de Salvador e a catedral de Notre Dame de Paris? Além do imenso valor
simbólico que representam, ambas foram vítimas de grandes desastres. Das manchetes
da grande midias à demagogia dos discursos políticos, até mesmo à produção
de séries televisivas, as tragédias vividas pelo patrimônio cultural nos fazem
refletir sobre o lugar da política patrimonial na agenda mundial de
desenvolvimento das cidades.
Conservar, preservar, salvaguardar,
valorizar são palavras em constante disputa, diante das imagens de destruição
dos bens culturais que não cessam de proliferar. A terra treme, desliza e
desmorona, tal qual o patrimônio cultural, refletindo misérias, ganâncias e
negligências das nossas sociedades. Por isso, desigualdades, exclusões,
imperialismos, entre tantos outros sintomas da degenerescência do humano,
também podem ser observados a partir das ameaças ao patrimônio cultural.
Mas se o patrimônio cultural está vivo e
nos diz quem somos, as políticas patrimoniais deveriam reagir ao seu
isolamento, reposicionando-o para o centro de um ecossistema cujas
conexões políticas, sociais, econômicas e ambientais não podem ser
desconsideradas. Enquanto construção social, o patrimônio cultural expressa a
vontade de agentes públicos e privados no enfrentamento da sua destruição e/ou
esquecimento. A suprema beleza do barroco brasileiro e do gótico francês,
presentes na Igreja de São Francisco e na Catedral de Notre Dame, são
expressões artísticas, ao mesmo tempo em que constituem lugares da memória e do
reconhecimento da força criadora da humanidade. Mas esses templos também
simbolizam uma oportunidade de reorientação econômica para as cidades. Salvador
e Paris reconhecem a importância do turismo patrimonial em suas economias.
Afinal, a necessária integração de
políticas para o turismo e a cultura determinarão a sobrevivência e a
integridade dos bens culturais. Não se trata da mera mercantilização de
monumentos, obras e sítios, mas, sobretudo, da formulação urgente de políticas
públicas para a economia do patrimônio que contribuam para a formulação de
políticas transversais que garantam os usos sustentáveis do território.
(*) Cientista Social. Professora da Uece. Sócia da Tempos de Hermes
Espaço Criativo.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 17/02/25. Opinião. p.18.