Por Izabel Gurgel (*)
Sei da presença da cobra Isaura em pelo
menos três bibliotecas de Fortaleza. Isaura protagoniza histórias contadas,
desenhadas, bordadas nas bibliotecas comunitárias Famílias Reunidas, no bairro
Padre Andrade, Jardim Literário e Criança Feliz, no Jardim Iracema, também
nomeado Floresta.
Morar mesmo, Isaura mora na Lagoa do Urubu,
naquelas áreas. Sobre Isaura, comecei a ouvir histórias serpentinas, girando em
espiral entre nós, no espaço que hoje abriga a Casinha de Cultura Patativa Ave
Feliz - Memorial do Bordado, uma das joias da casa 302 da Gaudioso Carvalho. Já
foi lá?
Tem um mapa bordado que é o sonho da
criatura leitora. A palavra imaginada, dita, escrita fazendo nascer seres,
lugares, acontecimentos, concretos pensamentos feitos perfeitinhos como uma
colher, um martelo, uma tesoura. Já leu sobre isso? Eco! Dá vontade de morar no
mapa bordado, tipo quando a gente mora em um livro.
Talvez esteja enganada, mas a lagoa e
Isaura têm as maiores dimensões dentre tudo o que o mapa mostra dos bairros ali
fronteiriços, e é só um resumo do que tem de bom no lugar de onde voltei com os
olhos cheios de jardim de calçada. Da última visita, conspiramos sobre rodas
para contar e ouvir histórias de assombração.
O grupo Pé de Sonho reúne mulheres também
bordadeiras (cortam, costuram, fazem croché, etc.) e iniciou uma coleção que
acabou batizada de cobra criada. Inspirada em quem, advinha? Vi um caminho de
mesa sobre um aparador e sobre eles um livro todo bordadinho de pai e mãe.
As folhas do livro nasceram para almofadas.
Mas parece que tudo o que nasce e o que há é para terminar mesmo em livro. Quem
falou isso? Livro é o melhor dos cofres. Portátil e só existe quando encontra
alguém que o abra. Vai nascer mais livro por lá.
Sempre que digo ou escuto ou anoto caminho
de mesa (adoro o nome), olha só o que eu penso: uma rua cheia de mesas cheias
de livros, o bairro todo assim, uma cidade que você percorre de uma mesa à
outra, passando de um livro para outro, de uma criatura leitora à outra.
Banquetes. Uma cidade sem fome.
Acabou que não citei bordadeiras, designer,
desenhista, cozinheira e toda a gente envolvida na feitura de cada coisa no
Memorial do Bordado. Uma leitora me disse que gosta de encontrar tudo com nome
ao ler nossos textos n'O Povo de domingo. Fica para a próxima. Dá pra conhecer
quase todo mundo indo à citada casa 302.
Termino imaginando um caminho de mesa na
calçada de um teatro. É fato, não só ficção. Hoje, 6 de julho, tem primeira
edição Livro Livre em Icó, na calçada do Teatro da Ribeira dos Icós. Conta-se
que uma baleia vive sob a planície urbanizada, a grande várzea do rio Salgado,
que antes de encontrar o mar se torna Jaguaribe, nosso rio das onças.
A vida é um assombro.
(*) Jornalista de O Povo.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 6/07/25. Vida & Arte, p.2.
Nenhum comentário:
Postar um comentário