quinta-feira, 1 de abril de 2010

BRASIL, O FILHO DO LULA

A pungente história de um nordestino que, tangido pelas adversidades, migra, com sua família, para São Paulo, em busca de melhores condições de vida e de um trabalho digno para poder sobreviver, não parece mais comover as pessoas, mesmo que o personagem tenha alcançado os píncaros da glória.
A despeito do drama repetitivo virar um lugar comum, com uma trajetória de sucesso, igual a de tantos outros, indivíduos que gravitam na órbita governamental prospectaram a realização de uma película, beirando ao épico, narrando a sofrida odisséia de um líder sindical, com intenções que vão desde arrecadar dinheiro para aliviar a contabilidade negativa da produtora cinematográfica até o uso eleitoreiro do filme, de certa forma disfarçado, para, subliminarmente, ganhar eleitores, na corrida presidencial que se avizinha, “colando” à imagem do herói e salvífico presidente, a da sua pretensa sucessora que, obviamente, não foi contaminada por seu carisma pessoal.
Com um orçamento monumental, de fazer inveja a um Cecil B. de Mille, dos velhos tempos, advindo, em grande parte, de dotações repassadas por estatais e por grandes empresas e construtoras que prestam serviços ao governo, cuja generosidade não é muito digna de confiança, a fita não tem lá muito valor cultural, capaz de merecer os incentivos fiscais da Cultura, salvo pela razão de realçar o culto à personalidade do “imortal, grandioso e puro” filho de D. Lindu.
Em que pese o elenco contar com a participação de consagrados astros e estrelas globais, que serviriam de atrativo ao público, além da vasta publicidade em torno do filme, incluindo os noticiários televisivos e o uso em massa de outros veículos da mídia, a delirante previsão de doze milhões de espectadores, para as primeiras semanas de exibição, cogitada antes do lançamento, revelou-se um retumbante vexame de bilheteria, quando atingiu menos de 600.000 pessoas, isto é, inferior a 5% do estimado, parte disso resultante dos descontos nos bilhetes propiciados pelos sindicatos e pela militância partidária.
Uma das leituras feitas para explicar esse fiasco, segundo a Revista Época, de 25/01/10 (p.48-9), deve-se ao fato não só de o filme ser fraco, na opinião quase unânime da crítica, mas em virtude de a polêmica política ter afastado o público-alvo, comprometendo a lógica do mercado cinematográfico. De fato, o cidadão comum não está acostumado a pagar para assistir à propaganda eleitoral gratuita, muito menos se precisar sair de casa para tanto.
Como há muito dinheiro investido em um empreendimento desse tipo, deve ser efetuado um esforço descomunal para capturar a audiência, a exemplo de substituir o vale-cultura por ingresso específico desse filme, ou de oferecer uma lata de leite em pó a quem entrar no cinema, e, talvez, uma cesta básica, à saída, para os que aguentarem o melodramático épico brasileiro.
Convém fazer um reparo no título, alterando de “Lula, o filho do Brasil” para “Brasil, o filho do Lula”, já que este país, e tudo de bom que nele existe, começou em 2003; antes disso, era a nossa pré-história, que se distingue em duas eras: a pré-cabralina e a pré-inaciana.
Marcelo Gurgel Carlos da Silva
Médico e economista
* Publicado, com redução, In: Jornal O Povo. Fortaleza, 01de março de 2010. Caderno A (Opinião). p.6.

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