Uma universidade cearense precisava contratar um professor substituto de latim. Dois processos seletivos públicos foram realizados, e apesar dos vários candidatos inscritos, as bancas examinadoras reprovaram todos quantos haviam se candidatado, em ambos certames, considerando sofrível o seu desempenho.
Isso obrigou a realização de uma rara terceira seleção para o mesmo setor de estudos. Essa dificuldade é inteiramente explicável, já que a língua da Roma Antiga, da qual derivou, entre outras, a portuguesa, não é lecionada no ensino médio, subsistindo, tão somente, com modesta carga horária, em cursos de Letras e nos seminários católicos, resultando em raríssimos professores e religiosos que sabem latim.
Ciente dessa limitação, fiquei contente ao constar na “home page” da universidade, finalmente, a aprovação de um lente no terceiro concurso. Ao encontrar, o colega presidente da banca, um bravo latinista batavo, felicitei-o pela entrada de um novo docente:
– Parabéns, professor! Até que enfim, conseguimos um docente substituto de latim.
– Não creio que mereçamos parabéns – ele respondeu.
– Mas por quê? Não era uma necessidade imperiosa absorver um outro docente? – indaguei de pronto.
– Sim, naturalmente que sim. Tanto que fizemos, por três vezes, a dita seleção – retrucou ele – acrescentando: precisamos urgente de reposição docente.
– E qual é a razão da sua insatisfação? O ingresso dele não vai possibilitar que o senhor disponha de mais tempo para dedicar-se ao Mestrado em Filosofia?
– Em parte, sim, obviamente – contestou o meu interlocutor.
– Então, por que essa espécie de frustração? Conte-me, por favor, o que houve.
– Bem! Tal como das vezes anteriores, tivemos muitos concorrentes; mas, diferentemente das precedentes, quando todos participantes foram reprovados na prova escrita, nesta última um candidato passou na escrita e foi habilitado para a prova prática.
– Menos mal, dessa vez! Pelo menos um chegou à segunda fase e foi aprovado nela – falei com ar triunfante.
– Não sei, sinceramente, se ele mereceu a aprovação. Fui voto vencido, prevalecendo a posição dos dois companheiros da banca, já exaustos de tanta seleção e sensibilizados pelo imperativo do afastamento de meu auxiliar, que está cumprindo pós-doutorado no exterior, o que ensejou a abertura dessa vaga de substituto.
– Mas, professor, qual é mesmo o problema dele, para não merecer a sua aceitação? Ou em latim: ter o seu “nihil obstat”?
– Bem! É que ele é GAGO.
F iquei imaginando, cá com os meus botões, como seria uma gaguejante aula de latim, do mestre atrapalhado com o nominativo e o genitivo de “rosa-rosae”, o exemplo mais elementar da 1ª declinação: Ro...ro...ro...ro-sa...sa...sa...; Ro...ro...ro...ro-sae...sae...sae...; etc.
Prof. Marcelo Gurgel Carlos da Silva
Da Academia Cearense de Medicina e da Sobrames/CE
* Publicado In: SOBRAMES – CEARÁ - Receitas literárias. Fortaleza: Sobrames-CE/Expressão, 2010. 240p. p.181-2.
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