quarta-feira, 3 de novembro de 2010

TIPOS FOLCLÓRICOS DO OTÁVIO BONFIM


Na vigência da Era Lauro, nos rotulados “Anos Iluminados do Otávio Bonfim”, alguns tipos folclóricos foram agregados ao pitoresco do bairro, constituindo motivo de gozação e de brincadeiras, entre meninos e adolescentes do Otávio Bonfim, à revelia da orientação dada por Frei Lauro, que pregava o respeito humano, sem distinção. Dentre esses personagens, incluem-se a “Porronca” e a “Macaúba”, aqui reportados por suas façanhas, que faziam a festa de meninada.
Porronca – era uma mulher de rua, um tanto quanto imbecilizada e desafortunada, que andava em trajes molambudos, cabelos em desalinho e cheios de piolhos; exalando um mau odor, decorrente da falta de banho ou asseio corporal. Quando os meninos gritavam-lhe o apelido “Porronca”, ela, de pronto, retrucava com imprecações contra as mães dos agressores e levantava as vestes, sem calcinha, expondo as “vergonhas”, razão maior das pilhérias dos moleques mal-educados.
Macaúba – era uma mulher franzina, que fazia parte do rol de mendicantes do Pão de Santo Antônio, da terça-feira. Ganhara essa alcunha por possuir um provável cisto de glândula salivar, que lhe conferia, ao rosto, uma aparência de quem está com um caroço de macaúba – uma espécie de pequeno coco – na boca. Quando os meninos gritavam “macaúba”, a dita criatura respondia com palavreados chulos, atacando as respectivas “santas mãezinhas”, não raro lançando pedras sobre a garotada que saía em debandada, com francas gargalhadas, para, em seguida, se reagrupar em uma nova investida insultante.
Transitavam, pelo bairro, outras figuras menores, mas não menos interessantes, que despertavam a curiosidade das pessoas, pelos gracejos provocados, caso, por exemplo do “Scania”, que punha um espelho retrovisor no ombro e deambulava simulando um caminhão, reproduzindo, com a boca, o som de um veículo pesado, em marcha, com diferentes sinais onomatopéicos de aceleração, ou simulando parada abrupta, ao frear, “cantando” os pneus, porque o semáforo fechara, ou acusando o uso da falsa “sinaleira” manual, para fazer conversão à direita ou à esquerda. Havia um outro personagem que andava pelas ruas imitando uma locomotiva em movimento, e intercalando com um estridente apito de trem.
Também são lembrados dois rapazes gêmeos, chamados de “tripé”, porquanto adeptos da prática excessiva da masturbação, já fisicamente tão desgastados, que serviam de alerta aos meninos para que evitassem o exagero do sexo solitário. No final dos anos setenta, apareceu no bairro uma mulher, apelidada “Odete Batalhão”, que, segundo se falava, parecia ter uma vocação pedofílica, responsabilizando-se pela iniciação sexual de alguns garotos das circunvizinhanças.
Todo esse apanhado de coisas está bem ao molde do Ceará Moleque, da terra do Quintino Cunha, e do Padre Quinderé, tão rica de humoristas quanto de tipos pitorescos, como a Castorina, do Aracati, mestre em apelidar o povo, como fez com uma criatura que só botava a cabeça fora de casa, passando ela a chamá-la de “rato de gaveta”, e ainda o Seu Lunga, de Juazeiro do Norte, famoso por se mostrar mal-humorado, ranheta, rabugento, o tempo todo.
O que se via à época, com certa naturalidade, não condiz mais com os dias de hoje, em que os direitos humanos e a preservação do respeito às minorias impõem-se como política de inclusão social.
Prof. Marcelo Gurgel Carlos da Silva
* Publicado In: Jornal O Povo. Fortaleza, 30 de outubro de 2010. Jornal do Leitor. p.3.

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