segunda-feira, 22 de julho de 2013

A SOLIDÃO QUE AMEAÇA A PRESIDENTE



Por Ricardo Alcântara (*)
Por um período acima do prazo de validade, a direção do PT cultivou um danoso autoengano: a sensação de prosperidade gerada na sociedade pelas políticas públicas de combate à pobreza seria sedativa à manifestação popular espontânea.
Era aquela a mais confortável versão para quem pactuara sua estratégia de combate à pobreza com os mercadores da governabilidade e ao custo de maciças concessões ao núcleo mais conservador do poder econômico, o capital financeiro.
Para êxito do projeto social-liberal lulista, seria preciso manter a massa dispersa, refém da agenda moderada imposta pelo pragmatismo do pacto, e a tarefa coube a uma clientela bem fidelizada: as organizações sociais outrora muito combativas.
De fato, “nunca antes na história desse país” se expandira tanto a metástase do peleguismo, mas a premissa angular do “projeto” (eufemismo adotado oficialmente para o pacto conservador) tinha base potencialmente variável: crescimento econômico.
Acontece que a história não guarda muitos registros de estratégias reformistas bem sucedidas no longo prazo que tenham semeado seus pomares deixando ao solo nutrientes atrativos para os formigueiros da banca financeira.
Ao contrário do autoengano governista, a percepção de prosperidade gerada pelo êxito nas políticas públicas de combate à pobreza não gerou acomodação de forças, mas – nas ruas se vê – uma agenda reivindicativa ainda mais exigente e complexa.
A irônica expressão “Padrão FIFA” nos cartazes de rua dos atos públicos recentes já definia, provocativamente, o patamar sabidamente utópico das aspirações. Havia, no humor daquela expressão, uma síntese semântica de múltiplas leituras.
Vieram agora pesquisas eleitorais revelar forte queda nas chances de quem ainda as lidera – a presidente em franco processo de isolamento: sem que tenha firmado sintonia com os acordes da rua, perdeu as partituras de seu concerto parlamentar.
A ressaca das manifestações despeja agora na praia do governismo os despojos das insatisfações: o “projeto” não é punido por uma negação dos seus méritos, mas pela sua recusa em suceder a si mesmo e manter-se protagonista.
O governo Dilma Rousseff não imprimiu uma marca própria. Manteve conquistas, mas avançou pouco. Não é um governo autoral, desses que formam líderes. É mais do mesmo e, mesmo quando o mesmo é bom, mais do mesmo nunca é suficiente.
E não é suficiente porque o imenso passivo social impõe a introdução constante de novas esperanças. Se outros males já reclamavam intervenções agudas, a missão do “projeto” se vê sob pressões recentes: o crescimento diminui e os preços disparam.
O recado é claro: Bolsa-família é feijão mastigado. Menos do que revisar seus atos, do governo a sociedade reclama, em desconfortável sensação de estagnação e elevação do custo de vida, maior qualificação de obrigações e representatividade.
Sob o ceticismo das ruas – manada de búfalos que reflui sem apagar seu rastro – e a desconfiança dos aliados, a quem a aparente normalidade já reanima a audácia de seus abusos, a presidente Dilma vê esfarelar-se sua agenda de emergências.
Do terceiro andar de sua solidão, Dilma observa o silêncio de Lula como ato de reserva: enquanto seus áulicos fazem saber que ela erra sozinha, ele se guarda para a hora mais difícil. Claro: Lula nega. Mas que importa sua vontade pessoal?
Se a eleição fosse hoje, ele não teria como evitar sua indicação, senão aceitando o risco de ser responsabilizado pela possível derrota de um “projeto” por ele edificado com paciência, determinação e a malandragem de um velho sindicalista.
Dilma não é de muitos botões, mas deve estar conversando muito com todos eles!
(*) Jornalista e escritor. Publicado In: Pauta Livre.
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